Era um simples jogo entre ex-jogadores e artistas, dias atrás, mas a faixa estava lá, em um dos pontos da arquibancada do Estádio de São Januário, exibida com orgulho pelos torcedores. As letras já estão meio apagadas, a aparência do pano mostra que ela vem sendo mostrada há muitos anos. É um recado curto, comovente, como se o próprio Vasco estivesse falando, e que remete a um episódio glorioso do passado:
Eu já lutei por negros e operários.
Assim, com um primor de síntese, a torcida remete a um momento em que o Vasco acabou com o racismo nos grandes clubes, abriu as portas para os trabalhadores pobres excluídos pela sociedade da época e, na defesa deles, não teve dúvidas em romper com o sistema. Ficou ao lado dos desamparados. Isso lá no distante 1923, apenas 35 anos depois da Lei Áurea e muitas décadas antes de Zumbi dos Palmares ser entronizado como um dos heróis do país. É bom olhar para as arquibancadas de um estádio, mesmo durante um jogo de verão, e ver que uma torcida vibra de orgulho com um momento glorioso de seu clube, em vez de repetir a linguagem bélica comum a muitas outras.
Não foi pouco o que o Vasco, o clube da Cruz de Malta (foto), fez naqueles primeiros anos do século 20. Equipe pequena, recém-promovida à primeira divisão, conquistou logo o título de 1923. Não foi isso que revoltou a sociedade e provocou a ira dos aristocráticos clubes do Rio, mas sim o fato de o time campeão ser formado por trabalhadores humildes, brancos, negros e mulados, sem dinheiro nem posição social, como revelou em uma série de crônicas publicadas nos anos 70 o jornalista Álvado do Nascimento. O grupo de jogadores incluía 12 negros, jogadores que não tinham espaço nos clubes ou na própria sociedade. Diante da coragem do Vasco, dirigentes de Fluminense, Botafogo, Flamengo e América convocaram reunião da Liga Metropolitana e decidiram excluir os jogadores mais humildes, com a alegação de que praticavam o profissionalismo, que era proibido. Era mera desculpa porque todos tinham jogadores assim, mas nenhum dos integrantes das equipes grandes foi incluído na lista de nomes lida durante a reunião. Irritados pela resistência dos pequenos, aliados do Vasco, os grandes fundaram outra liga, certos de que os excluídos voltariam humilhados. Foi então que o Vasco assumiu a liderança do movimento.
Além de manter seu clube ao lado dos excluídos, o presidente do Vasco, José Augusto Prestes, enviou ofício à federação negando-se a participar da nova associação. Estava decidido a manter seus jogadores negros. O documento, datado de 7 de abril de 1924, é considerado o passo decisivo para o fim do racismo no futebol. São esses 12 jogadores jovens quase todos brasileiros no começo de sua carreira, e o ato público que os pode macular nunca será praticado com a solidariedade dos que dirigem a casa que os acolheu nem sob o pavilhão que eles com tanta galhardia cobriram de glórias, diz um trecho do ofício. Ou seja: ao ter de escolher entre os aristocratas da liga, brancos e ricos, e seus jogadores negros e pobres, o Vasco não teve qualquer dúvida sobre o lado certo.
É algo para orgulhar qualquer torcedor. É bom que a faixa fique sempre bem visível. O resto do país precisa ver até para que eventuais racistas do século 21 fiquem tão constrangidos e derrotados quanto os aristocratas de 1923.