Faz praticamente um ano que a vida do maqueiro Eneias de Andrade, de 71 anos, perdeu um pouco de brilho. No Maracanã desde 1968, o \"Mike Tyson\" se viu na obrigação de tirar umas férias forçadas após o estádio ser fechado para as reformas que o farão sede de alguns jogos e, principalmente, da final da Copa do Mundo de 2014. Visivelmente emocionado na volta ao local do seu antigo e apaixonado trabalho, ele diz que, mesmo sem garantias dos organizadores do evento, espera participar da maior competição de futebol e tornar-se o mais velho funcionário dentro do campo - ele se esqueceu da Copa das Confederações, que acontecerá um ano antes do Mundial da Fifa.
Eneias brinca colocando as mãos na calçada da fama do Maracanã (Foto: André Durão / Globoesporte.com)
- Estou aqui faz muito tempo e não me vejo fazendo outra coisa. Eu ligo a televisão e fico vendo os maqueiros entrarem no Engenhão, em São Januário, mas é muito triste. Peço para minha mulher desligar a TV quando isso acontece, me emociono. Não penso em trabalhar em outros estádios para não tirar o lugar de ninguém. Mas a coisa está braba, pois eu ganhava por jogo. Meu lugar é aqui. Comecei e quero terminar aqui. Vou ser o maqueiro mais velho da Copa. Espero que eles contem comigo. Essa Copa do Mundo é minha, rapaz. Ainda tenho muito a fazer, e quero morrer trabalhando - disse Eneias durante visita ao Maracanã com o GLOBOESPORTE.COM.
Sem o dinheiro dos jogos nos finais de semana, o maqueiro vive com a aposentadoria do extinto Banco Nacional, onde trabalhou como segurança e conheceu até o ídolo Ayrton Senna, que era patrocinado pela marca.
- O escritório do banco ficava aqui no Rio de Janeiro. Sempre que ele vinha para cá, eu era escalado para buscá-lo no aeroporto. As mulheres ficavam loucas com o Ayrton.
Eneias trabalhou pela primeira vez no Maracanã como segurança em um show de Gilberto Gil. Vislumbrado com a oportunidade, ele não queria mais sair do lugar. Depois de encontrar um dos responsáveis pelo serviço interno do estádio, acabou recebendo outra chance, mas para colocar bandeiras na cobertura.
- Pedi a um tal de Carlão, que era responsável pelo baile do Olaria, para trabalhar lá. Eu sempre fui muito forte e acabei escalado para ficar na portaria. Um certo dia, fui chamado para fazer a segurança no show do Gilberto Gil, que aconteceria no Maracanã. Foi muito legal. Como gostava de futebol, queria continuar trabalhando por aqui. O Carlão disse para eu procurar um tal de Pedro Hipólito, que tomava conta do estádio. Eu o encontrei no mesmo dia e pedi uma nova chance. Então, me mandou voltar em um jogo entre Flamengo e América para colocar as bandeirinhas na cobertura. No dia, o Nélson (maqueiro na época) ficou doente e não chegou a tempo. Como eu era grandão, o seu Hipólito me colocou como substituto. Não saí mais disse ele, que revelou ainda ter trabalhado como segurança na festa de 15 anos da Angélica, apresentadora da TV Globo, e no casamento de Claudia Raia e Alexandre Frota.
Amizade com Zico e Roberto Dinamite
A constante presença no gramado do Maracanã fez Eneias ser conhecido por muita gente e também ganhar ilustres amigos. Vascaíno, ele diz que sempre admirou muito Roberto Dinamite, mas foi com o maior jogador da história do Flamengo que ele teve um contato mais íntimo.
- Roberto é meu amigo. Uma vez, fiz uma matéria com ele no Maracanã e disse para uma repórter que era vascaíno. Isso foi numa quinta-feira. No domingo, tinha Flamengo x Vasco. Rapaz, a torcida do Flamengo ficou indignada e me perturbou o jogo inteiro. O pessoal da geral me xingava pra caramba. Mas eles nem imaginavam que meu contato mais íntimo era exatamente com o Zico. A ligação com ele era tão boa que cheguei a fazer segurança do carnaval da casa dele lá em Quintino. Outro cara que brincava muito comigo era o Renato Gaúcho. Uma vez, escorreguei no túnel e foi todo mundo para o chão. Eu, Bira (outro maqueiro), o médico e um jogador do Fluminense. O Renato viu e gritou dizendo que eu precisava comer mais feijão. Eu já era famoso e chamado de Mike Tyson. Olhei para ele e respondi: Não (*%#), Renato.
Conmebol de 1993: ameaçado pelos jogadores do Peñarol
Todos esses anos no estádio fizeram o maqueiro guardar momentos inesquecíveis. Entre as partidas, ele destacou duas internacionais: Além da final da Supercopa entre Flamengo e Independiente-ARG, que levou mais de 110 mil pessoas ao Maracanã em 1995, a decisão da Conmebol de 1993, entre Botafogo e Peñarol, ficou muito marcada. Eneias confessa que fez cera quando percebeu que o time brasileiro estava em vantagem e que isso quase acabou gerando um grande problema.
Quando acabou o jogo, eles queriam pegar a gente. Mas eu era tão forte que resolveram não me encarar\"
Eneias
- Os jogadores do Peñarol queriam bater no Geraldo, que trabalhava comigo. Toda vez que um jogador do Botafogo caía em campo, nós saíamos devagar pra caramba. Quando acabou o jogo, eles queriam pegar a gente. Mas eu era tão forte que resolveram não me encarar disse ele antes de cair na gargalhada.
O segundo negro mais bonito do Brasil
A fama entre as mulheres (segundo ele) o levou para a televisão. Eneias participou de um concurso chamado O negro mais bonito do Brasil, no programa do Chacrinha, e quase venceu.
- Uma mulher que trabalhava comigo no banco veio me dizer que o Chacrinha estava fazendo um concurso do negro mais bonito do Brasil. Resolvi participar. Eu me inscrevi e eles começaram a fazer grupos. O Ubirajara, que na época jogava no Flamengo, estava competindo também. Mas o técnico do time ficou sabendo e o tirou da disputa. Eu fiquei com o número três. Quando começou a votação, a Tânia Carreiro me escolheu, mas o Chacrinha brincou com ela dizendo que eu era muito feio e não estava acreditando. O Pedro de Lara também acabou gostando de mim e fui para a final. No dia da decisão, o negão chegou de fraque. Como eu não tinha terno, ele acabou me ganhando.