Derrotado nas urnas em 1997, Jorge Salgado, para muita gente, era sempre o “candidato imaginário” a cada três anos no Vasco. Grupos políticos de oposição se movimentavam para convocá-lo a disputar as eleições, ele analisava o cenário. Fazia uma, duas, três reuniões. Mostrava ânimo, mas... declinava.
No pleito de 2020, a aposta geral era de que o movimento se repetiria. O “sim” definitivo, guardado a sete chaves, só veio no dia 15 de julho, depois de algumas reuniões no seu escritório do Leblon. Lá, reuniu Vitor Roma e Adriano Mendes, dois dos seus futuros “capitães” na gestão vascaína.
Longe dali, em casa, preparou o terreno para anunciar à esposa e aos filhos que partiria novamente para essa aventura. No ramo financeiro há três décadas e hoje "apenas" no conselho da própria empresa, ele tem uma fazenda no interior do Rio e costumava passar pequenas temporadas nos EUA (em Miami, onde uma filha mora). Durante a campanha, por essa vida que leva, seus adversários diziam que se ganhasse não governaria. Seriam seus correligionários que o fariam.
Outra história muito repetida sobre Salgado, aliás, era de que ele só aceitaria participar do processo eleitoral do Vasco se fosse “alçado ao poder”, praticamente como candidato único. Um quadro irreal na conturbada política vascaína – por sinal, nada ainda indica que este aspecto particular da vida em São Januário (e especialmente na sede da Lagoa) vai mudar.
- Gostaria, sim, de poder ser um candidato de união, mas, se não for possível, paciência - disse Salgado, em 2014, ao ge.
Em vários momentos, era da seguinte maneira que brincava com interlocutores que perguntavam se ele se decidiria realmente pela candidatura.
- Estou com o burro na sombra. Vou lá para ser chamado disso, xingado daquilo, depois? Nessa altura da vida?
Desistência em 2014
Salgado chegou a marcar fotos para fazer campanha em 2014, mas desistiu. Em entrevista ao ge, na época, inclusive, disse que se sentia em desvantagem de partida de votos em relação a Eurico Miranda, que fez campanha de associação – alvo de extensa reportagem do ge, na ocasião – e ganhou com mais votos do que o segundo e o terceiro colocados somados.
O agora presidente eleito nunca deixou claro este ponto, mas havia percepção de que não pretendia concorrer contra Eurico – sabia do enorme poder e da capacidade de arregimentação do falecido líder político vascaíno. Tinha ainda o trauma da derrota de 1997, quando Antônio Soares Calçada – com apoio de Eurico – venceu. Até hoje afirma que houve fraudes nas urnas.
Por muitos anos, na política vascaína, Salgado foi criticado por não mergulhar nas diferentes eleições. Antigos aliados cobravam que ele entrasse de corpo e alma no clube. Um deles, dos aliados mais recentes, Vitor Roma, conselheiro eleito na gestão de Roberto Dinamite, ofendeu anos atrás Salgado no Twitter, quando provocado a falar sobre o então personagem distante da política do clube.
Assim que o print da mensagem veio à tona, durante a campanha deste ano, Vitor procurou Salgado e foi ao escritório do Leblon. O empresário perguntou a razão daquele xingamento. Ouviu que era parte de frustração pelo que considerava, de certa maneira, omissão de Salgado. Houve o pedido de desculpas e, dali em diante, o assunto morreu.
Antes de decidir se candidatar novamente, Salgado já participava, discretamente, da gestão de Campello - chegou a ir em viagem para Porto Alegre com a delegação em jogo do Brasileiro de 2019. Aconselhou o ex-presidente em alguns momentos e, claro, também emprestou dinheiro no início da pandemia. Aprovava com o trabalho de Adriano Mendes na organização das finanças.
- Quando decidi sair da gestão Campello, um amigo em comum com o Salgado me ligou e disse que ele queria conversar comigo - recorda Adriano, que tinha conhecido o futuro presidente do Vasco numa reunião na Lagoa. - Ele disse que estava preocupado, porque me considerava um dos pilares da gestão do Campello. Ele pediu para que eu ficasse, marcou ainda um encontro entre nós três (com Campello). Mas estava decidido a sair.
Depois de um tempo, Salgado ligou novamente para Adriano, buscando informações sobre o seu futuro político no clube. Sondando se ele estaria disposto a retornar ao clube.
- Falei para ele "se você for presidente, eu volto. Pode contar comigo". Eu entendia que o Vasco precisava de outro perfil de presidente - disse Adriano Mendes, que depois levou planos de gestão financeira do clube, com equipe formada pela "Mais Vasco", a Salgado.
Captação com aporte inicial de Salgado
Economista de formação, Vitor Roma será vice-presidente de marketing de Salgado. Terá a função de gerar receita, a partir de mudanças no departamento de marketing. Em 2017, ele vendeu sua empresa para a Accenture, uma multinacional de tecnologia de informação e de consultoria. Dali em diante, seguiu no mundo corporativo como consultor. Pela disponibilidade, deve ser o dirigente amador mais próximo do trabalho diário do presidente Jorge Salgado.
Ao lado de Roma e Adriano, está Horácio Junior – que também saiu no último ano da gestão Campello - e outros jovens personagens na política do clube. Eles serão responsáveis por executar boa parte dos processos de administração do dia a dia. Vão deixar Salgado mais com papel de representante do clube – internamente, por exemplo, em reuniões de conselhos, e externamente, frente ao mercado. Será colocada à prova a habilidade política do perfil conciliador de Jorge Salgado.
Num primeiro momento, a diretoria de Salgado vai contar com a participação de muitos voluntários e, gradativamente, seguirá para a profissionalização de cada setor. Roma, por exemplo, vai ficar diariamente no clube, instalado nas dependências de São Januário.
"Penso no Vasco todos os dias"
Salgado conta com a presença de Ricardo Manela para a diretoria de relação com investidores, um cargo não remunerado, mas que ficará na mão de um profissional de mercado. Ele vai ter a missão de colocar de pé uma das principais propostas de Salgado: a captação de dinheiro no mercado.
Sócio fundador da Bozano Investimentos, Manela conta com cerca de R$ 30 milhões dos R$ 70 milhões que se planejaram para captar no primeiro momento da gestão. O próprio Salgado, que fez acordo por pagamento de dívida antiga com Campello neste fim de ano, entrou com aporte inicial para significativo. O primeiro objetivo vai ser quitar salários atrasados.
Modelo semelhante foi arquitetado na gestão Dinamite – com investimentos iniciais em cotas pré-determinadas para pessoas físicas e remuneração a partir de garantias de receitas futuras do clube. Num segundo momento, o objetivo é captar mais R$ 70 milhões.
Com a indefinição eleitoral e de divisão que o clube vai disputar em 2021, outra alternativa é captar com bancos (Salgado conversou diretamente com André Esteves, do banco BTG Pactual). A instituição financeira negocia com os credores do clube, o que houver de diferença entre o total emprestado e o valor quitado fica em dívida do Vasco com o banco. Com garantias de cotas de TV e outras receitas do clube.
Em entrevista em 2014, questionado se entraria na corrida eleitoral, Salgado dizia que não estava indefinido. Mas garantiu que analisava minuciosamente todas as possibilidades.
- Penso no Vasco todos os dias - afirmou.
Questionado por vascaínos da família - e alguns torcedores nas ruas - para assumir o Vasco, Salgado vai realizar um sonho - que deixava claro para pessoas mais próximas - num momento delicado do clube. Vinte e três anos depois da derrota contestada, não vai lutar pelo título brasileiro, que o Vasco conquistaria dias após aquele pleito distante de 1997. A missão imediata é não cair.
A diretoria de Salgado