Uma velha raposa felpuda de São Januário, questionada sobre a gestão Jorge Salgado, não diz exatamente uma novidade, mas sem querer ajuda a explicar o desempenho do presidente, empossado definitivamente há exatos 100 dias: "amigo, a bola tem que entrar. Entrando, todo o resto se resolve".
Três bolas, especificamente, entraram e contribuíram demais para o início do trabalho que substitui o de Alexandre Campello. As que garantiram a vitória sobre o Flamengo por 3 a 1, dando fim a um jejum de quase cinco anos no clássico, foram capazes de secundarizar o fato de que o time não conseguiu classificação para a semifinal do Carioca. Pela segunda vez consecutiva o cruz-maltino não termina entre os quatro primeiros da competição.
Futebol vive reformulação depois do rebaixamento
Os primeiros 100 dias de Salgado na presidência demarcam a diminuição da interferência da diretoria administrativa no futebol, quando comparada aos tempos de Campello. O ex-presidente gostava de participar ativamente das questões do setor, um resquício dos tempos em que frequentava assiduamente o vestiário como médico. Já Salgado é mais distante, o que casa bem com o perfil do gestor que contratou para tocar o departamento, Alexandre Pássaro.
O jovem executivo ganhou carta branca para arrumar a casa ao seu feitio. É o que está fazendo. A começar pela contratação de Marcelo Cabo, treinador que havia feito bom trabalho com o Atlético-GO em 2020 e que começa sua história em São Januário deixando boa impressão, especialmente depois da vitória no Clássico dos Milhões.
Coube a Pássaro tocar as saídas que abririam espaço para a reformulação do elenco - em destaque, as de Fernando Miguel, Yago Pikachu e Benítez. O processo ainda está em andamento e, depois de 100 dias, Werley, Henrique, Neto Borges, Marcos Júnior e Lucas Santos ainda estão treinando separadamente, onerando a folha salarial em mais de meio milhão de reais por mês. Até julho, os contratos dos laterais se encerram. Os outros três possuem contrato até, no mínimo, dezembro.
Seus contatos com Adriano Mendes, vice-presidente de finanças e homem forte da diretoria, com alcance nos demais setores do clube, são constantes. Pássaro acertou com Leandro Castan redução salarial para que o zagueiro continuasse no Vasco e condicionou os novos contratados a cláusulas de rendimento, o que mostra o alinhamento do gestor à política financeira do clube, de redução de despesas.
Corte de gastos e anúncio de dívida marcam as finanças
Os primeiros 100 dias da gestão de Jorge Salgado, nas finanças, se resumem a duas ações. Uma delas, amarga. O clube demitiu nada menos que 186 funcionários com a justificativa de adequar seus gastos a uma realidade de queda brusca nas receitas, decorrência do rebaixamento para a Série B, fato que, apesar de ocorrido já com o novo presidente no poder, cai na conta da gestão passada.
A saída em massa ocorreu com os funcionários com o salário em dia, o que não garante de antemão que ela não vá aumentar o passivo do clube no futuro. As verbas rescisórias não foram pagas e são objeto de negociação entre os funcionários e o cruz-maltino, com o sindicato intermediando as conversas. Há relatos de que o clube não recolhe corretamente o FGTS, o que também pode motivar ações judiciais.
Se acontecer, são mais problemas para o clube de dívida de R$ 832 milhões, de acordo com o balanço financeiro de 2020. A torcida do Vasco, ciente do tamanho do rombo, encampou no dia seguinte à sua divulgação, campanha de doação direta para o clube. Pouco mais de R$ 400 mil já foram doados, dinheiro que resolve em nada a vida do Vasco, mas sinaliza a confiança desses torcedores na atual gestão.
Ajuda essa percepção positiva o esforço para o pagamento dos salários atrasados. Jorge Salgado e sua trupe socorreram a gestão de Campello para tentar quitar a dívida do clube com os jogadores em meio à tentativa de escapar do rebaixamento. Assumiram o clube com dívidas referentes a dois meses parcelados no acordo de 2020, os salários de novembro e dezembro e mais o 13º salário. Nesses 100 dias, cinco folhas salariais foram pagas.
Salgado tem maioria no conselho e tem de administrar aliados políticos
O mérito disso acaba até mais dividido entre os caciques da diretoria do que normalmente acontece. Os 100 dias de gestão Salgado mostram um presidente que não se incomoda em dividir holofotes. Carlos Roberto Osório, vice-presidente geral, assumiu posição proeminente interna e externamente. Em reuniões com os jogadores na reta final do Brasileiro, a presença de Osório era mais marcante até do que a do presidente.
O braço mais jovem de sua gestão também tem protagonismo nas decisões, com destaque para Adriano Mendes e Vitor Roma, vice-presidente de marketing, responsável por gerar novas receitas que o Vasco tanto precisa para sair da crise. Até agora, há a promessa de o clube conseguir novos patrocínios e uma nova onda de associações ao programa de sócios, que terá mudanças anunciadas em breve.
Com imensa maioria dentro do Conselho Deliberativo para diversas pautas, como a reforma estatutária, Jorge Salgado, nesses 100 primeiros dias, administra o ímpeto da ala aliada mais jovem, que defende a responsabilização dos dirigentes passados pela situação financeira atual, e reforça seu estilo mais conciliador, em defesa de nomes mais antigos da política vascaína, seus contemporâneos. A capacidade desse conselho de ser convergente, dependendo da pauta, ficou clara na decisão de expulsar um grande benemérito que fez acusações a Alexandre Campello e que ofendeu Salgado por 158 votos a 2.
Externamente, a oposição é bem mais ruidosa. A gestão de Jorge Salgado ainda é questionada por parte de sócios e torcedores, que não aceitam o resultado da disputa judicial entre o atual presidente e Luiz Roberto Leven Siano, candidato eleito no pleito que acabou considerado inválido pela Justiça. O advogado se mantém ativo nas esferas judiciais de Brasília para tentar reverter a derrota.