Futebol

Opinião: "Vasco é a surpresa positiva do Brasileiro - 2011"

Certa noite, durante um jantar animado, um amigo disse que era o vinho a maior criação da humanidade. Felizes e um pouco eufóricos, concordamos todos, afinal, um – bom – vinho é realmente a consagração do gênio humano em comunhão com duas dádivas da natureza, como a uva e a fermentação. Na verdade, porém, deixando à parte a euforia, tenho para mim que a maior criação do gênio humano é o conceito de igualdade entre todas as pessoas e até como extensão desse princípio básico, a democracia.

Esse tipo de pensamento passa por meio bobo, meio pedante, meio político, meio bicho-grilo, inteirinho deslocado numa manhã de domingo, em plena reta final de um Campeonato Brasileiro onde a surpresa – positiva – é o Vasco da Gama. Não por ser o Vasco, que uma hora voltaria ao topo das disputas, mas justamente por ter voltado nesse ano, ter conquistado a Copa do Brasil, competição secundária comparada ao Brasileiro, mas com a qual todos seus campeões se contentam e, concluída vitoriosamente, entram em gozo de nunca merecidas férias. O Vasco de Ricardo Gomes, o gentleman, foi diferente, fez diferente e, se bobear, será o vencedor desse campeonato. Sem falar da Sul Americana, é claro.

Voltando, então, ao assunto do qual fugi: a igualdade entre os homens – para depois chegar ao futebol nosso de todo dia.

Quando o voto começou a ser praticado nas mais avançadas sociedades, seu direito era restrito aos poucos e bons. Era privilégio dos senhores de rendas e terras. Às mulheres, era simplesmente negado. Pode parecer pouco, mas em um planeta onde a governança das pessoas era exercida por suposto direito divino ou, nua e cruamente, pela força das armas, já foi um grande, fantástico progresso. Felizmente, nessa quadra de nossa história, votamos aqui em quem bem queremos, o que é muito bom. Infinitamente melhor votar “mal” do que não poder votar e ter gente “bem” a dirigir tudo.

E o futebol, cara? – já está se perguntando o leitor apressado. Ok, vamos a ele.

O torcedor de futebol

Torcedor é aquele que gosta de uma agremiação e deseja que ela vença todas suas partidas, tem por ela alguma identificação ou carinho.

Todos os torcedores são iguais e têm os mesmos direitos de torcer e se manifestar a respeito do objeto de sua paixão.

Ah, pirou, é? – já exclama o exaltado leitor, que completa, fulo da vida: Nem todo torcedor é igual, uns torcem mais que outros.

Não, não pirei. E, sim, é vero, alguns torcem mais, alguns torcem desesperadamente, alguns se envolvem profundamente com o objeto de paixão, chegando até mesmo a decidir por seus destinos. No mundo da sociedade, da política, do Estado, também é assim: alguns se envolvem mais, outros não. Todos, entretanto, têm os mesmos direitos. E deveres, coisa chata e esquecida nessa Terra de Vera Cruz, onde tudo que conta são os “meus direitos”.

Ficamos assim, então: todos os torcedores, como todos os cidadãos, são iguais perante o clube e as leis, e todos têm os mesmos direitos, sem distinção de cor, sexo, renda, idade, moradia, frequência aos estádios ou até mesmo frequência aos sites de futebol e aos seus comentários.

O torcedor de futebol na pesquisa

Uma pesquisa levanta torcedores. Ela não discrimina sexo, idade, estado civil, escolaridade, renda ou moradia, isso em se tratando de pesquisa geral, de abrangência nacional. Claro, há sempre uma pré-seleção etária, pois não é o caso, muitas vezes, a maioria, de entrevistar crianças. E pode discriminar moradia – a pesquisa pode ter uma área geográfica definida. De qualquer forma, toda pesquisa enuncia claramente sua área de cobertura e a população amostrada, se é o todo ou parte específica.

E pesquisa de futebol, pesquisa entre torcedores de futebol, não discrimina o torcedor pelo seu “tipo” ou grau de envolvimento com o clube. Justamente porque seu objetivo é ter um retrato do geral, um retrato da realidade. Na pesquisa, pode ser ouvido o torcedor que não perde um jogo no estádio como aquele que nunca num estádio pôs os seus pés. Mas também é torcedor.

Ao ignorar esse ponto simples, muito torcedor intensamente envolvido fica espantado e, mais ainda, indignado, com os resultados de muitas pesquisas. Tivemos um ótimo exemplo, recentemente, em relação à boa votação de Ronaldinho como um dos jogadores preferidos ou mais queridos pela torcida do Grêmio. A votação, todavia, foi bastante natural, pelos laços que existiram e já foram fortes entre o jogador e o clube. Isso marca e permanece no imaginário das pessoas, o que não foi aceito pela parcela mais atuante dos gremistas que fizeram intensa campanha contra o jogador, antes do jogo contra o Flamengo. Há outros exemplos, inúmeros, citei esse por sua atualidade e impacto, somente.

Personalidade das Marcas dos Clubes Brasileiros

O post a respeito dessa pesquisa gerou grande repercussão, como já esperava, e também enorme quantidade de comentários furibundos, muitos tão ofensivos, além da razão e do mínimo respeito por pessoas e instituições, que foram deletados. Um número enorme, infelizmente. Em parte porque muitos leitores não se deram ao trabalho de ler o texto e pensar a respeito, limitando-se a olhar as tabelas – a do seu clube e a do rival maior, geralmente. Outros leram tudo atentamente, mas ficaram com dúvidas, algumas sanadas nos comentários, outras talvez não. Vou aproveitar, então, para algumas considerações extras, que, espero, tragam um pouco de luz ao assunto.

Por sinal, volto a esse tema também por ter conversado a respeito dessas dúvidas com o Mario Mattos, diretor da GfK Custom Research Brasil e responsável pelo trabalho.

A personalidade da marca é ditada pelo conjunto da sociedade

O ponto mais importante a respeito da pesquisa é que ela mostra a personalidade da marca de um clube como é vista pelo conjunto da sociedade.

Conjunto da sociedade… Que inclui, naturalmente, o conjunto dos torcedores de futebol, todos eles, de todos os clubes.

A pesquisa ouviu mil pessoas em diferentes áreas do Brasil. Teoricamente, como também na prática, esse conjunto de pessoas é representativo de nossa sociedade, seja em sexo, idade, escolaridade, renda e, naturalmente, em termos de torcida de futebol. Com certeza, havia um número maior de torcedores do Flamengo e Corinthians, mas dentro do que é esperado encontrar numa amostra de brasileiros, assim como havia pessoas com pouco ou até nenhum interesse direto em um ou mais clubes cujas marcas foram pesquisadas. Portanto, a forma como a marca de qualquer um dos clubes é vista é a forma como a sociedade de maneira geral a enxerga.

Vários leitores que levantaram essa questão disseram que torcedores em grande número de um clube poderiam mascarar as respostas do rival, forçando-o a ter uma imagem “negativa”. Temos aqui alguns pontos falhos já em sua origem. A pesquisa de personalidade não separa seus resultados entre positivos e negativos. O que aparenta ser negativo é somente o grau de afastamento daquela marca em relação a um atributo e essa associação é medida em termos de proximidade ou afastamento. O afastamento de um atributo não significa aproximação ao seu oposto.

E a questão da pressão de torcedores adversários para influenciar outro clube não se coloca, simplesmente. Porque a amostra é diluída e, estatisticamente, nenhum clube vai ter um número de torcedores na mesma capaz de distorcer o resultado e também porque, na prática, o pesquisado responde de forma honesta e interessada. Mesmo que isso não ocorra e o pesquisador não perceba, a diluição das torcidas na amostra impede um resultado falso.

Marcas e Torcidas

Algumas das características de uma marca refletem e são refletidas pelas próprias torcidas, mas não obrigatoriamente. Para podermos afirmar que uma torcida tem o mesmo ou mesmos atributos que a marca do clube respectivo, seria necessário um outro estudo. Mas, certamente, há pontos em comum, que não chegam a ser importantes para o objetivo do trabalho.

Há muitos estereótipos no mundo do futebol, há muitos mitos. Quando os números são analisados friamente, descobre-se o óbvio: nem Flamengo e Corinthians são “times de pobres”, nem o São Paulo é “time das elites”. A rigor, inclusive, os clubes com maior quantidade de torcedores AB são… Flamengo e Corinthians. O Flamengo tem, também, o maior número de torcedores D e E. Olhando as estratificações sócio-econômicas, o único clube com um real diferencial percentual em torcedores AB é o Fluminense. Colocado em números absolutos, porém, não é um total que mude uma relação com clubes de torcidas maiores, embora possa refletir em ações como maior participação na compra do PPV.

A imagem de uma torcida e de um clube, a sua personalidade, não nasce do dia para a noite. Ela é fruto de processos históricos, envolvendo jogadores, conquistas, dirigentes, etc. Naturalmente, o presente influi sobre a personalidade, sobre a forma como um clube é visto, mas não é absoluto.

O caso Palmeiras e o Trio de Ferro

Conversando com o Mattos a respeito dos muitos comentários desfavoráveis de torcedores palmeirenses, o que fica claro é que a pesquisa mostra que hoje a marca Palmeiras está mal posicionada e carecendo de atributos fortes, marcantes (por favor, não confundam com história, com os feitos, com as conquistas). Essa percepção, por sinal, existe dentro do próprio clube e gera preocupação entre alguns dirigentes. Um ponto que, na minha visão, contribuiu para essa erosão da marca do clube, foi a parceria com a Parmalat, um fato muito marcante, que durou por um tempo longo, suficiente para impactar intensamente as pessoas, tanto de dentro como de fora do futebol e que, ao chegar no final, deixou o clube enfraquecido.

Os envolvimentos do Corinthians com parceiros, embora problemáticos (em especial o último) não chegaram a ter a mesma profundidade de identificação que teve o Palmeiras com a Parmalat.

Nesse momento, e a pesquisa mostra isso muito bem, o polo de rivalidade local mudou para os outros dois membros do Trio de Ferro, ambos posicionados em pontos opostos e vendo a rivalidade aumentar. Esse aumento de rivalidade tem dois aspectos: um é episódico, momentâneo, movido a intrigas, declarações, incidentes. Tudo isso já pode estar refletindo sobre as duas marcas. Mas os posicionamentos diferenciados não começaram ontem, ou na posse de Sanches ou na posse de Juvêncio.

Diferenciação e não diferenciação de clubes

Um dos pontos mais interessantes dessa pesquisa foi a forma como as pessoas enxergam as marcas dos dois grandes times do Rio Grande do Sul: praticamente sem diferenciação. O que não deixa de ser curioso pois, quem os conhece sabe que há grandes diferenças entre ambos, ciosamente cultivadas por seus torcedores. Todavia, no decorrer do tempo ambos passaram à sociedade uma imagem pouco diferenciada entre eles. Uma possível explicação, sobre a qual não estou certo, apenas levanto a hipótese, é que os dois clubes têm tão forte identificação com a história, tradição e o jeito de ser gaúcho e do Rio Grande do Sul, que não conseguem mostrar suas peculiaridades aos brasileiros de outros estados.

Numa cidade com apenas dois clubes essa seria a normalidade, como podemos ver em Belo Horizonte. Atlético e Cruzeiro, em escala menos intensa que Corinthians e São Paulo, apresentam-se diferentemente à sociedade, ou melhor – vejam como essa correção de texto é importante e por isso optei por mantê-la explícita – são vistos pela sociedade com personalidades bem diferentes.

O que é bom para o patrocinador

O estudo de personalidade das marcas dos clubes não aponta a um patrocinador que um clube seja melhor que outro para receber sua comunicação, mas pode indicar um que seja mais adequado ao momento e objetivos da empresa, isto é, o fato de um clube ter uma personalidade ligada a muitos atributos não significa, a priori, que seja melhor que outro, cuja marca está ligada a poucos ou mesmo nenhum de forma mais forte.

Patrocínio deve ser, idealmente, uma ação ganha-ganha, boa para os dois lados. Ao clube, não basta uma empresa cujo interesse único é fazer de sua camisa um outdoor, uma placa publicitária. É interessante ter objetivos mais amplos, ter uma identidade (inclusive visual, arrisco aqui do meu cantinho, fugindo dos logotipos horríveis que enfeiam camisas e desvalorizam-nas, visualmente, como virou praxe no futebol brasileiro), contar com uma empresa que se torne parte do todo sustentável do clube.

Uma empresa, em contrapartida, deve ter em seu parceiro dos gramados um aliado para construir ou reforçar sua marca, para buscar um novo posicionamento no mercado. Estratégias bem planejadas e objetivos claros e factíveis, coerentes para ambos, permitem a montagem de novas ações de marketing, com bons resultados junto aos públicos visados.

Posts sobre pesquisas têm por objetivo informar e não fomentar disputas do tipo “a minha é maior que a tua”. Até porque, quando uma matéria é publicada os fatos já existem, já foram coletados, analisados, processados e não irão mudar. O objetivo é que o torcedor de futebol conheça mais um pouco das ferramentas e mecanismos que hoje fazem parte, ou começam a fazer, do mundo da bola.

Fonte: Blog Um Olhar Crônico Esportivo
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