Os recentes acontecimentos envolvendo o Corinthians Paulista nos motivaram a questionar a quantas anda o futebol brasileiro, considerado pelos ufanistas de plantão como “o melhor do mundo”. Mas o fato é que o futebol jogado no Brasil carece de craques, de estádios, de organização, e de público nos estádios. Mesmo assim, continua a fazer a alegria e a riqueza de cartolas encastelados na direção dos clubes, das federações estaduais e da CBF.
As tentativas moralizadoras da Lei Pelé e do Estatuto do Torcedor deram poucos resultados práticos e o que assistimos é o esvaziamento progressivo do nosso futebol, com uma revoada de craques para o exterior e uma revoada de torcedores dos estádios.
Já afirmei, em artigo anterior sobre o mesmo tema, que o melhor futebol do Brasil é hoje jogado na Europa, e aí não vai nenhum exagero. Nossos melhores jogadores desfilam em gramados italianos, espanhóis, alemães, ingleses, franceses e até turcos, disputando campeonatos organizados, altamente rentáveis e jogados em estádios geralmente cheios. Contrastando com a riqueza do futebol europeu, aqui é disputada uma espécie de \"segunda divisão\" do futebol brasileiro, já que a primeira divisão é disputada na Europa.
O declínio do nosso futebol está refletido na quase total falência dos nossos principais clubes.A maioria é dominada por dirigentes venais, incompetentes e inescrupulosos, que assumem totalmente a estrutura administrativa, controlam os conselhos administrativos e, a partir daí, se perpetuam no poder. Tratam os clubes com o mesmo zelo com que nossos políticos costumam administrar o patrimônio público. O interessante é que muitos dos dirigentes que se esmeraram para levar os clubes ao naufrágio, continuam no poder, e choram a falta de recursos, como se nada tivessem a ver com a coisa. É o que acontece com os notórios Eurico Miranda do Vasco e Márcio Braga do Flamengo,para ficar com dois dos mais conhecidos. Desde a década de 70, estes senhores dominam a política destes clubes. O Flamengo é o clube que mais deve à Previdência Social.
O fato é que os nossos clubes de futebol, com poucas exceções, sobrevivem na penúria e submersos em dívidas crescentes que estes dirigentes construíram nas últimas décadas. Tal estado de indigência e de desorganização tem levado alguns deles a fazerem de seus clubes autênticos balcões de negócios ilícitos e lavanderia de dinheiro sujo. Celebram com empresas de fachada estrangeiras, ligadas à máfias criminosas, contratos altamente lesivos, como ocorreu com o Corinthians, que só agora viu cair a ficha de um negócio altamente suspeito com uma empresa mafiosa, especializada em lavagem de dinheiro de origem desconhecida. E a ligação Corinthians? MSI era aplaudida por muitos.
A fabulosa e impagável dívida dos clubes para com o INSS motivou o governo Federal a vir em socorro destes gestores fraudulentos. Para isto, foi criada no governo Lula a \"Timemania\", uma loteria administrada pela CEF, cujos recursos arrecadados supostamente servirão para abater a dívida que cada clube tem para com a União. O interessante é que ao lançar mais esta fonte de recursos, tomados da sociedade sob a forma de loteria, o governo não teve a preocupação de promover uma faxina nos clubes, acionando judicialmente os dirigentes que foram, afinal, os responsáveis pela construção destas dívidas. Ao contrário, tornou-os beneficiários da ajuda federal aos clubes.
Mesmo diante deste quadro de crise no nosso futebol, que não difere muito da crise brasileira, nosso país se lançou oficialmente como candidato a sediar a Copa do Mundo de 2014. Candidato único, dado que outros países, com mais juízo, não se lançaram. Tudo estaria nos eixos, se tal iniciativa tivesse o suporte financeiro exclusivo da iniciativa privada e da própria CBF. Mas, ao que tudo indica, deverá ser bancada pelos cofres públicos.
A oficialização do Brasil como sede do mundial exige, como condição, o cumprimento de uma série de exigências relacionadas pela FIFA. A construção e a remodelação de estádios, vias de acesso, meios de comunicação, meios de transporte e rede hoteleira, exigirão investimentos astronômicos, que somente seriam suportáveis se fossem resultado de um mutirão de esforços da iniciativa privada. Será um crime se forem bancados, como deverão ser, com dinheiro público, levando-se em conta os desvios de verbas, superfaturamento de obras e corrupção que certamente irão acarretar. Sem falar no óbvio de que tais gastos serão feitos num país com imensas carências sociais e extremas deficiências no campo dos serviços públicos, como o nosso.
Portanto, que o futebol brasileiro renasça das cinzas e se reconstrua pelas suas próprias forças, livrando-se de todas as suas mazelas e de seus cartolas corruptos é o que desejamos. O que não pode é a sociedade pagar pelos desmandos de irresponsáveis e criminosos travestidos de dirigentes esportivos, numa atividade que pertence exclusivamente à esfera privada. Não pode também pagar caro por um evento esportivo mundial, que sob o pretexto de resgatar o \"orgulho brasileiro\", na verdade vai encher os bolsos e as contas bancárias de um punhado de cartolas espertos e de políticos malandros.