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Os bastidores da camisa arco-íris do Vasco

Há dois anos, o Vasco promoveu uma ação que ficou marcada na história da luta contra o preconceito no futebol. Naquele dia 27 de junho de 2021, o time vestiu camisa com as cores do arco-íris na faixa transversal, em apoio à causa LGBTQIA+, e venceu o Brusque por 2 a 1, em São Januário.

No clube, aquela foi uma semana agitada. Alguns gestos foram públicos. Enquanto Cano levantou a bandeira de escanteio com as cores do arco-íris ao comemorar o primeiro gol vascaíno, Leandro Castan postou no Instagram pouco antes do jogo uma passagem bíblica com a frase "sejam férteis, multipliquem-se e encham a terra".

Entre apoiadores e opositores da camisa, utilizada apenas naquela partida, outros gestos e frases ficaram nos bastidores. É essa história que o ge conta dois anos depois do jogo.

"Temos que vestir essa camisa"

O ano de 2021 foi o primeiro da gestão do presidente Jorge Salgado à frente do Vasco. Dentro de um clube que celebra há um século o pioneirismo no combate ao racismo no futebol, havia na diretoria a ideia da realização de alguma ação de impacto em combate à homofobia e à transfobia. O Dia do Orgulho LGBTQIA+ é comemorado em 28 de junho.

Vice-presidente Geral do Vasco, Carlos Roberto Osório participou do processo.

- Era nossa missão assumir essa bandeira. E, na nossa visão, o Vasco deveria ser líder nesse processo. O que é ser líder? É assumir de verdade a bandeira. Porque muitos clubes botam um negócio no número, uma bandeirinha de córner. Para liderarmos esse processo, temos que vestir essa camisa - lembra o dirigente.

A camisa foi idealizada pelo então vice-presidente de Marketing do clube, Vitor Roma. Ele conta como pensou na iniciativa.

- Eu me lembro de estar sentado na arquibancada de São Januário depois do almoço quando pensei: por que a gente não pode ser o primeiro clube brasileiro a jogar com uma camisa modificada em alusão ao combate à homofobia? - diz Roma.

"Por que a gente não pode provocar?", acrescenta.

O processo de aprovação foi longo: as conversas começaram aproximadamente quatro meses antes da partida, com reuniões da diretoria e opiniões de dirigentes. Jorge Salgado foi a favor, mas alguns vice-presidentes e conselheiros levantaram questionamentos. "Eu achei até que teria mais resistência", admite Vitor Roma dois anos depois.

Havia o consenso de que aquela era uma causa vascaína. O receio era sobre uma possível descaracterização do uniforme ao colocar as cores do arco-íris na faixa transversal. No fim, no entanto, o plano foi acatado.

Climão: oposição de Castan, apoio de Caio Lopes

Com o projeto aprovado, era hora de iniciar a execução. O desenho da camisa utilizada pelos jogadores na vitória sobre o Brusque é de autoria do designer Marcelo Azalim.

Próximo à partida, a ideia foi apresentada pela primeira vez ao departamento de futebol, que na ocasião era comandado por Alexandre Pássaro. Osório foi até o CT Moacyr Barbosa na companhia de Francisco Kronemberger, colaborador do marketing, e mostrou o projeto a Pássaro e ao técnico Marcelo Cabo.

Da parte dos dois, não houve qualquer objeção. Mas havia um passo final antes da partida: eles concordaram que a apresentação deveria ser feita aos jogadores antes do confronto. Ficou combinado que a conversa com o elenco ocorreria na noite de 26 de junho, véspera do jogo.

Ao fim do jantar da delegação no hotel Sheraton, no bairro carioca de São Conrado, o projeto foi apresentado aos atletas. Leandro Castan, capitão da equipe, pediu a palavra e disse que não se sentiria confortável utilizando a camisa porque é evangélico e segue uma doutrina conservadora.

Osório argumentou que cada um tinha liberdade para acreditar no que quisesse e que aquela era uma ação institucional do Vasco da Gama, não individual dos atletas.

Depois da intervenção de Castan, outro jogador pediu a palavra: então com 20 anos, o jovem Caio Lopes disse que apoiava o projeto e sentia orgulho de vestir a camisa. O volante acrescentou que, por ser cria da base vascaína, havia absorvido os valores do clube ao longo dos anos.

A apresentação terminou em tom amistoso. Outros atletas, casos de Cano e Léo Matos, juntaram-se a Caio Lopes e comentaram que haviam gostado da ideia.

Encerrada a reunião, Castan aceitou vestir a camisa, mas decidiu fazer o post no Instagram antes da partida. Meses depois, em entrevista coletiva, o zagueiro reforçou sua oposição à iniciativa do clube.

- Eu sou o primeiro a respeitar a instituição e o torcedor. Tenho gratidão pelo Vasco. No momento no qual expus o que acredito, quando eu fui, teoricamente, obrigado a vestir uma camisa, acho que algumas pessoas não gostaram. Mas eu respeito a todos e também acho que tenho de ser respeitado.

Gesto de Cano e choro no vestiário

A comemoração de Cano no primeiro gol, erguendo a bandeira de escanteio, não havia sido planejada, garantem os envolvidos - o gesto ficou eternizado pela imagem do fotógrafo Rafael Ribeiro. Ao lado de Cano, estavam somente outros dois estrangeiros: o argentino Sarrafiore e o paraguaio Galarza.

- Foi o que fechou com chave de ouro a nossa ação - recorda Osório.

Com a vitória sacramentada, o clima no vestiário foi de alegria e emoção. O ápice foi o momento em que o atacante João Pedro, então com 21 anos, oriundo da base, revelou que aquela era uma noite especial para ele, uma vez que a mãe dele vive uma relação homoafetiva. O jovem jogador disse que levaria com orgulho a camisa para casa e causou lágrimas nos rostos de alguns companheiros.

- Essa da direita é a minha mãe, a da esquerda é a companheira dela, minha segunda mãe e como é bom ver esse amor de perto, esse companheirismo e a felicidade delas. Orgulho é a palavra de hoje, orgulho dessas duas mulheres, orgulho de fazer parte desse club GIGANTE que segue fazendo história e orgulho de estar dando um passo de cada vez - escreveu ele em seu perfil nas redes sociais.

 

Fonte: ge
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