Na fila de jogadores que esperava para subir no ônibus vascaíno na saída para o jogo, Martín Silva permanecia imóvel enquanto um vascaíno se esforçava para fotografar Serginho. A concentração do jogador impressionava na véspera da final. Como um "homem de gelo", Martín era a imagem da frieza às 14h20, horário de saída do ônibus dirigido por Edson Modesto. Se o Pretinho, como é conhecido o motorista vascaíno, quase não tira o sorriso do rosto, o uruguaio é praticamente o contrário. A ponto de turistas de Teresina, que se hospedaram no hotel do Vasco - um deles com a camisa de Martín -, levarem a impressão de cerca antipatia do goleirão vascaíno.
A cena é uma das tantas que o GloboEsporte.com acompanhou de perto nas últimas 48h antes da decisão do estadual. De dentro da concentração do hotel, a reportagem viu a ansiedade de Doriva às 9h14 quando o treinador desceu para o café da manhã - por lá, já estavam Dagoberto, Lucas e o supervisor André Araújo. O técnico observava as opções da refeição e tamborilava o prato. Na véspera, o treinador, de 42 anos, aproveitou para manter a forma na academia do hotel.
Na fase final da competição foram quase 200 horas fechados na concentração. Bem próximo das casas noturnas da Lapa, os jogadores conseguiram se manter longe do trânsito e da confusão do dia a dia do bairro boêmio. Sequer tiveram contato com dirigentes - apenas o supervisor vascaíno e o gerente de futebol Paulo Angioni, fora os profissionais da comissão técnica, estiveram no hotel. E poucos viram familiares e amigos - casos de Bernardo, Lucas, Dagoberto e do preparador de goleiros Flávio Tênius, por exemplo. No mais, o isolamento foi total.
"Joga onde, parceiro"
Nas refeições no restaurante "Inevitável", com paredes cheias de história da Bossa Nova, um grupo era comandado pelo zagueiro Rodrigo. Aos 34 anos, um dos líderes do time, ele chefiava a "resenha" de um time de peso, que tinha Dagoberto, Marcinho, Gilberto, Madson, Christiano e Lucas. Com boné - e a inscrição "Joga onde, parceiro" -, o xerife vascaíno era quem mais falava e provocava risadas nos companheiros. A nutricionista Mildre Souza acompanhava a alimentação dos atletas, que tinham o mesmo cardápio dos últimos jogos no jantar com destaque para o suflê de cenoura, fricassé de frango e almôndega com crosta de castanha. Mesmo com hotel bem calmo e pouco assédio, os jogadores preferiam ir para os seus quartos cedo - antes das 21h. O Vasco reservou o sétimo andar inteiro para a delegação.
Além do grupo de Rodrigo, era possível notar a "república dos gringos", com os inseparáveis Guiñazu, Martín Silva e Julio dos Santos. Jordi, um dos que consegue fazer o goleiro vascaíno rir e até gargalhar, também fica na mesa dos estrangeiros. A dupla que veio do Ituano, Rafael Silva e Anderson Salles, também senta com os jogadores.
Autor de dois gols nas finais, Rafael, aliás, foi um caso à parte. O novo cabelo, com desenho nas laterais, veio na véspera da partida, pouco depois os atletas assistirem a um vídeo editado com lances do primeiro jogo entre Vasco 1 x 0 Botafogo, exibido no prédio anexo por Doriva e o auxiliar Eduardo Souza. Ele, Yago e Thalles clarearam o cabelo para a decisão. Jordi desenhou a cruz de malta atrás da cabeça, e Bernardo também deu os últimos retoques.
- Não tem aquele shampoo do Cristiano Ronaldo, não, Mariana? - perguntava Rafael Silva para a funcionária do hotel, que só conseguia rir da espécie de rascunho do que o atacante já estava aprontando na cabeça.
Filho de Bernardo perde ingresso
Foi Rafael também quem entregou Guiñazu, o cantor de cumbia. Agitado por natureza, o argentino joga videogame, solta suas pérolas já conhecidas - "que lindooooo", "monstroooo" e outras do seu vocabulário particular -, intercalando com o som de origem colombiana que provoca "protestos" bem-humorados dos companheiros e até da funcionária.
A poucos momentos de iniciar a decisão, um amigo de Bernardo roda o Maracanã apressado. Um dos filhos do jogador tinha perdido o ingresso. A diretoria do Vasco consegue resolver, mas, na hora da premiação, o telão do estádio mostra o jogador preocupado: "Quero ver meu filho", dizia. Ele era um dos mais festejados pelos vascaínos.
Logo depois da volta olímpica, com muita gente dentro do campo, uma cena inusitada chamou a atenção no túnel de acesso ao gramado. Uma mulher com parte do rosto coberto e um homem, o empresário turco Ersin Gureler, pediam para conhecer e tirarem fotos com os jogadores. Segundo a acompanhante do casal, que estava sem crachá na festa vascaína, não havia um jogador em especial sendo observado, embora tenha comentado que poderia acontecer transação de jogadores para sair do Brasil na janela do meio do ano. O agente, que disse ter contatos nos dois clubes cariocas, tem 21 jogadores na Turquia e faz negócios com o Besiktas, Galatasaray e Fenernahçe.
Um outro assessor, este brasileiro, que identificava e convidava os jogadores para as fotos, cometeu pequena gafe sem perceber. Depois de levar alguns vascaínos para registro de imagens com os turcos, ele se virou para a alemã e disse: "Olha o Serginho, ele jogou na Turquia". A assessora foi então até o volante vascaíno e perguntou:
- Você jogou na Turquia?
- Não, nunca joguei lá.
Na verdade, Serginho, que só jogou no Atlético-MG, CRB e Criciúma antes do Vasco, estava sendo confundido com o ex-atacante, que começou no Fluminense de Feira de Santana e até passou pelo Vasco nos anos 1990 antes de jogar por dois clubes turcos - o Fenerbahçe e Sakaryaspor. Desfeito o engano e tirada a foto, o mineiro Serginho voltou a festejar.
Romarinho repete Romário
Com 38 jogadores no elenco, o Vasco teve um vestiário lotado. E não depois da conquista, mas antes. Todos os atletas pediram para ir no último contato com jogadores e comissão técnica antes de subirem ao gramado. O único ausente foi o lateral-direito Nei, que anda com dificuldades devido à fratura no pé esquerdo. Até Jean Patrick, que também fraturou um osso, estava dando volta olímpica no Maracanã. Na festa, um garoto que nasceu dias depois do pai dar, talvez, uma das maiores exibições individuais do Maracanã: Romarinho.
Discreto, com camisa comemorativa e medalha, ele era reconhecido por torcedores. Um deles gritava que era de Brasília para chamar a atenção do atacante, que só jogou na Copa do Brasil.
- "Tamo junto" - devolveu Romarinho, antes de responder sobre a primeira conquista com a camisa do Vasco. Coincidentemente, Romário, em 1987, tinha os mesmos 21 anos quando foi campeão estadual pelo Vasco no time que tinha Acácio, Mazinho, Roberto Dinamite, Tita e era comandado por Sebastião Lazaroni.
- Fico muito feliz de fazer parte dessa conquista, mesmo não jogando, me sinto como se tivesse entrado em campo - disse, coçando a cabeça com a mão direta com o trejeito idêntico ao do pai.