A vitória do Flamengo na Copa Libertadores da América em Lima, no Peru, foi o ponto máximo de uma campanha de marketing construída para dar visibilidade ao Azeite Royal. Marca recém-chegada ao mercado brasileiro, ela logo mostrou sua preferência pelo futebol: a logo está estampada nos uniformes dos quatro grandes clubes cariocas, do Atlético-MG, em painéis gigantes do Maracanã e em publicidades estreladas por atrizes, como Aline Riscado.
Estranhamente, o público toma uma goleada na tentativa de encontrar nas prateleiras os supermercados o óleo de oliva do empresário Eduardo Giraldes, de 39 anos, que luta para não ser preso. Pesquisa realizada pelo GLOBO em redes varejistas e centros comerciais como Ceasa e Cadeg identificou desconhecimento dos lojistas sobre o produto e dificuldade de relacionamento com os distribuidores. Apesar de o fabricante dizer que o produto está disponível em quatro redes, ele foi encontrado apenas em uma, ao preço de R$ 12 pelo tipo extra virgem.
Carioca de Oswaldo Cruz, Eduardo Vinícius Giraldes Silva foi condenado em primeira instância por integrar uma quadrilha de clonagem de cartões de crédito em processo junto ao Ministério Público Federal, no âmbito da Operação Nômade II deflagrada em 2014, que envolve outros 41 réus. Dívidas e informações desencontradas sobre a empresa também marcam o histórico de negócio de Giraldes, que recorre em liberdade ao processo judicial.
Em 2016, o empresário recebeu uma sentença de 8 anos e 3 meses de prisão pelos crimes de associação criminosa, falsificação e uso de documento particular, furto mediante fraude e furto qualificado, além de pagamento de cerca de R$ 1 milhão, referente a 225 dias-multa no valor de cinco salários mínimos. Em agosto deste ano, a pena de Eduardo foi reduzida para 5 anos, 10 meses e 15 dias de reclusão e pagamento de 105 dias-multa a ser cumprida em regime semiaberto. Preso preventivamente em 2014, ele recorre em liberdade ao processo que aguarda julgamento em segunda instância no Tribunal Regional Federal da 2ª região. Para realizar suas viagens de negócio, Giraldes precisa solicitar autorização à Justiça, uma vez que o processo ainda está tramitando. Ele tinha viagem de trabalho marcada para o Porto, em Portugal, entre os dias 21 de dezembro de 2019 a 19 de janeiro de 2020.
Segundo o procurador regional da República, Leonardo Costa, que participou da ação na época, a quadrilha se organizava de forma intrincada e com várias etapas de atuação.
— Acredito que as pessoas envolvidas na quadrilha hoje desenvolvam atividades profissionais com o dinheiro advindo da clonagem de cartões. O núcleo do Eduardo Giraldes era o mais sofisticado. Eles tinham conexão com os Estados Unidos, por conta de uma empresa de importação e exportação. Esse esquema tinha uma ramificação muito grande. Era complexo e com muitas pessoas — conta Leonardo.
Giraldes era conhecido como "Pisca", de acordo com informações no processo sobre a quadrilha. Além da clonagem, o grupo também vendia as informações obtidas nas tarjas magnéticas, efetuavam compras de eletroeletrônicos caros e de alto potencial de revenda. Consta nos documentos que, em alguns golpes, os bandidos se passavam por técnicos de máquinas de cartão para realizar as aplicações nos aparelhos. O procurador Leonardo Costa lembra da engenharia do esquema:
— Havia um mercado secundário derivativo, onde eles comercializavam com outros clonadores as trilhas bancárias e falsificações. Um exército de pessoas ia para as ruas para realizar compras com posse desses cartões fraudados. Era muito contrastante o que esses envolvidos tinham e o que deveriam ter pelos bens que tinham declarados. Alguns possuíam carros Porsche, BMW, e esse esquema era uma forma de fazer dinheiro.
No decorrer do processo judicial, a peça foi desmembrada para facilitar a tramitação na Justiça. Devido à quantidade de envolvidos no esquema, a ação que julga Giraldes conta com outros quatro réus. São eles Luciano de Castro Lima, Rômulo dos Santos Gonçalves, Bruno Soares Maruchi e Ivan Correa Junior. Com a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a prisão em segunda instância, as condenações só passam a valer após transitar em julgado, ou seja, quando o réu não puder recorrer a nenhum outro recurso. Segundo Leonardo Costa, ainda que a pena de Giraldes tenha sido reduzida e venha até ocorrer presunção de inocência pela Justiça, é inegável a participação do empresário no caso de estelionato.
Força nos clubes, desconfiança do mercado
O Vasco foi o primeiro time a ser apoiado pela marca de azeite, em 2019, e em dezembro daquele ano anunciou a renovação do patrocínio com o Azeite Royal até o final de 2020. Começou com o ombro da camisa, depois o patrocínio apareceu nas costas dos dos jogadores, chegando a ter exposição dupla no uniforme cruzmaltino ao longo de 2019. No início, chamava a atenção o fato de que a primeira logomarca aplicada nas costas do uniforme vascaíno, com tipografia preta fina em rótulo branco, tornando-a indecifrável à distância.
O diretor de marketing do Vasco, Carlos Costa, alegou que não ter conhecimento do assunto.
— A gente tenta se calçar de todas as formas, assim como os outros parceiros, esperamos ter uma relação perene com os patrocinadores. É um parceiro que tem sido muito firme em tudo o que a gente combina. Temos entregue tudo o que combinamos. Não tivemos problema algum.
Na noite da última segunda-feira, o Conselho de Administração do Flamengo aprovou a renovação do contrato de patrocínio, com apenas um voto contrário, motivado por matéria do repórter Lúcio de Castro, no blog Agência Sportlight. O assunto foi debatido durante a reunião do conselho.
Dificilmente encontrado nas prateleiras dos supermercados do Rio de Janeiro, os distribuidores do Azeite Royal argumentam que ainda é uma novidade no mercado brasileiro e sua assessoria informa que ainda está estruturando suas operações no Brasil. É possível encontrar o extrato de oliva em algumas lojas da Cadeg, no Rio de Janeiro e, segundo sua assessoria, nos supermercados Prezunic, Rede Uno, Supermarket e Multimarket.
O site do Azeite Royal conta uma história que remonta os anos de 1980 com a fundação de fábrica baseada na "cidade" de Alentejo – na verdade, uma região de Portugal que comporta vários municípios. A responsável pela produção do azeite, conforme consta em seu rótulo, é a JC Coimbra, localizada em Setúbal (que não fica no Alentejo, e sim na Área Metropolitana de Lisboa). Trata-se de uma empresa que trabalha com o serviço de "private label", ou seja: o empresário compra o azeite engarrafado e coloca seu rótulo com a marca na garrafa, prática comum na importação.
Em nota, a assessoria da empresa informa que a fábrica foi comprada por Eduardo Giraldes recentemente. Contactada pela reportagem, a JC Coimbra alega que não foi comprada por nenhum empresário brasileiro: trata-se apenas de um cliente, que trabalha um produto exclusivo. Segundo agentes do mercado, a JC Coimbra foi uma empresa portuguesa muito forte no ramo de exportação, mas faliu por excesso de dívidas. Segundo eles, investidores espanhóis compraram a participação na empresa e assumiram o controle da fábrica.
Representantes do segmento de óleos e azeites alegam a suspeita sobre a integridade do produto e sinalizam que em Portugal ninguém sabe da marca, que se apresenta como uma "receita familiar", enquanto a maioria dos azeites se apresenta pela casta da azeitonas e pela região de produção. O empresário Rafael Arruda, dono do e-commerce Empório do Azeite, do Rio Grande do Sul, tentou contato com o Azeite Royal para disponibilizar a venda em seu site.
— Hoje somos o maior e-commerce do mundo. Quando uma empresa anuncia patrocínio a grandes clubes, chama a nossa atenção e queremos nos associar a esse produto. Tentei contato com eles para vender em meu site, mas não tive nenhum retorno. No telefone, eles me enrolaram. Meus e-mails nunca responderam.
O especialista em azeites conta que esteve em Portugal no início do ano, mas nenhum comerciante tinha conhecimento do Royal. No meio do ano, sua sócia, Chania Chagas, viajou para lá e também não encontrou quem conhecesse a marca.
Segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, a empresa está dentro das normas e os laudos apresentados de laboratório reconhecido pela pasta demonstram que o produto está conforme. Em outubro de 2019, quando as informações foram solicitadas a empresa havia realizado importações.
O Azeite Royal é registrado sobre o CNPJ empresa ME RJ Importação e Distribuição Eireli no nome de Pedro Henrique Silva de Souza, de 36 anos, morador do bairro Taquara, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, que detém 100% do capital. Junto ao Serasa, Giraldes consta apenas como administrador. Não há pendências financeiras. O que não é o caso da outra empresa de Giraldes, Lecargo Comércio Importação e Exportação Eireli, que tem R$ 1 milhão em dívidas. No cadastro de pessoa física, os vencimentos de Eduardo ultrapassam os R$ 2 milhões.
Procurados pela reportagem para comentar sobre o caso, os representantes do Azeite Royal disseram que não iriam "falar sobre o processo que ainda está tramitando na Justiça e que diz respeito a um crime cometido em 2006" e questionaram a integridade da reportagem.