Futebol

Ramon Platero, o treinador que treinou ao mesmo tempo Vasco x Flamengo

Imagine a situação: Maurício Barbieri treina o Flamengo pela manhã. Depois do almoço, deixa o centro de treinamento e vai até o Vasco para comandar a atividade da equipe cruz-maltina durante a tarde. Ou Alberto Valentim fazendo o caminho inverso, de São Januário até o Ninho do Urubu. Impossível?

Pois aconteceu em 1922, com um personagem pouco conhecido no futebol brasileiro.

O responsável pela façanha de treinar Flamengo e Vasco ao mesmo tempo foi o uruguaio Ramon Platero. Uma figura não tão famosa atualmente no Brasil, mas que está na história do futebol nacional, não só pela curiosidade, mas também por ter sido o primeiro estrangeiro a comandar a seleção brasileira.

E como Platero conseguiu treinar dois rivais juntos?

Simples: era o engatinhar do futebol no Brasil. O Flamengo, já estabelecido, estava na primeira divisão do Campeonato Carioca. O Vasco, emergente e recém-chegado ao esporte bretão, iniciava sua trajetória ascendente e disputava a segunda divisão.

- Em 1922, o Vasco já vislumbrava que poderia ser vencedor da segunda divisão do Campeonato Carioca. Já tínhamos alguma ideia de que em 1923 disputaríamos a primeira divisão. Teríamos que nos preparar de forma compatível com a importância daquele cameponato. Nada melhor que buscar elementos de excelência. O nome escolhido foi o do Ramon Platero. Ele tinha um vínculo com o Flamengo e inicialmente se dispôs a dar uma assessoria de estruturar o futebol vascaíno, visando ao ano de 1923. E numa situação insustentável, não poderia servir a dois clubes, e quis o destino que ele fosse para o Vasco - disse João Ernesto Ferreira, vice-presidente de Relações Especializadas do Vasco, responsável pelo Centro de Memória do clube.

A disputa Flamengo x Vasco

Naquele ano de 1922, Platero ficou em segundo lugar com o Flamengo e subiu com o Vasco para a primeira divisão. Foi quando se criou o impasse. O uruguaio não poderia treinar duas equipes na mesma categoria. Quem ficaria com o treinador?

Pois o Vasco levou a melhor. Ofereceu mais dinheiro e deu carta branca a Platero para implantar seu estilo com os jogadores. A recompensa foi grande: o bicampeonato carioca de 1923 e 1924 e uma transformação na forma de se pensar futebol na época.

- Ele foi o primeiro técnico a impor o regime de concentração. E também o primeiro a estabelecer a necessidade de longas caminhadas. Nós, no Vasco, nos concentrávamos às quintas-feiras. Obrigatoriamente. Sem exceção para ninguém - contou o ex-jogador Brilhante, treinado por Platero no Vasco, em entrevista ao Jornal dos Sports em 1977.

Além disso, Platero participou da famosa Resposta Histórica, a carta enviada pela diretoria à Associação Metropolitana de Esportes Atléticos (Amea), recusando-se a aceitar o pedido de excluir doze jogadores negros e operários do time.

- O Vasco deu a Platero tudo o que ele pediu: concentração para os jogadores, alimentação, horário duplo, ginásio com pesos. Os atletas treinavam às 5h da manhã, corriam pela rua. E, no segundo tempo, passavam por cima como um trator pelos adversários. Platero escolheu aqueles jogadores, e o Vasco decidiu dar apoio a ele – contou Ariel Longo, pesquisador uruguaio que escreveu um livro sobre Platero, intitulado “O Rei Oculto”.

O curioso é que, em 1923, no primeiro título carioca conquistado pelo Vasco, o time comandado por Platero só não foi campeão invicto porque perdeu para o Flamengo. Foram as duas primeiras partidas competitivas entre os clubes, que já alimentavam rivalidade desde o remo.

- Eu diria que em 1923 o futebol potencializou essa rivalidade entre Flamengo e Vasco. Ela começou um pouco em 1922 com a opção do Platero pelo Vasco - completou João Ernesto.

Pioneiro no Flamengo

Naquela época, Platero era cobiçado por todos os times do Rio de Janeiro. Ele chegou ao Brasil em 1919, após dirigir a seleção uruguaia no Sul-Americano. Deixou boa impressão e foi contratado pelo Fluminense.

 Em 1921, foi para o Flamengo, onde se tornou o primeiro treinador da história do clube – antes, a equipe era comandada pelo então chamado “grand comittee”, um conselho responsável pelos rumos do time. Ele ainda teve nova passagem em 1929. Entretanto, não conquistou resultados expressivos, o que explica por que não é tão lembrado por rubro-negros.

Platero ficou no Vasco até 1926. No período, graças ao sucesso obtido, dirigiu a seleção brasileira nos Sul-Americanos de 1923 e 1925. Depois, passou por Palestra Itália (hoje Palmeiras), Botafogo, São Bento, São Paulo da Floresta, Estudantes (São Paulo) e Santos. Em 1939, retornou ao Vasco, onde ficou até 1940, quando se aposentou.

O rei oculto

O título do livro sobre Platero é compreensível. Apesar da história e da importância que teve no início do futebol sul-americano, seu nome foi esquecido com o passar dos anos. A própria CBF só recentemente reconheceu a participação de Platero na seleção – antes, Joaquim Guimarães era tido como o treinador do Brasil em 1925.

- Ele dirigiu o Uruguai no Sul-Americano de 1917. Mas só em 2012 descobriram quem era aquele homem na foto do time. Era Platero. Ele não existiu na memória do futebol uruguaio. Morreu solteiro, não se conhece familiares dele – completou Longo.

Platero também era boxeador. Em São Paulo, dirigiu equipes de basquete e vôlei no Palestra Itália. Quando se aposentou, abriu um negócio na capital paulista e ali se fixou. Morreu em 6 de agosto de 1950, quase um mês após o Uruguai ganhar do Brasil no Maracanã na final da Copa do Mundo.

A vida continuou para Flamengo e Vasco. Os eternos rivais, que no início disputaram o técnico uruguaio, travam mais uma batalha neste sábado, em Brasília, pelo Campeonato Brasileiro, às 19h, no estádio Mané Garrincha.

Fonte: ge
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