As dificuldades encaradas nestes quase três meses em que está no comando do futebol do Vasco não fizeram com que o diretor executivo René Simões perdesse a capacidade de sonhar com grandes projetos. Em entrevista ao UOL Esporte, o dirigente avaliou a situação como um momento ímpar na vida do clube e revelou que chegou a sondar Kaká em janeiro, além de ter a intenção de montar um departamento especialmente para estudar o futebol e suas tendências.
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Os problemas financeiros, no entanto, continuam a preocupar o dirigente, que assumiu o cargo em dezembro do ano passado. René não esconde a dificuldade que o clube tem em manter o capitão Dedé depois do meio do ano. Com um contrato que veta sua saída até junho, o zagueiro recebe propostas rotineiramente. O jogador é um dos poucos responsáveis pela conquista da Copa do Brasil em 2011 presentes no atual elenco após o desmanche sofrido ao longo da última temporada. No fim do ano, o Cruzmaltino perdeu Juninho Pernambucano, Felipe, Alecsandro, entre outros.
Após mais de 30 anos comandando equipes do Brasil e do resto do mundo, o ex-treinador disse também não ser corporativista com os antigos companheiros, apesar de acreditar na manutenção dos técnicos como método mais eficaz de trabalho. René Simões revelou que o afastamento da função e a aposta em uma carreira como gestor aconteceu por conta de seus 60 anos completados em 2012, idade que já considera avançada para a profissão.
Balanço inicial no Vasco
Há muita coisa para ser feita ainda. O comandante Rolim [falecido empresário do ramo de transporte] certa vez disse que o importante era fazer uma coisa de cada vez e com excelência. Não adianta querer fazer tudo ao mesmo tempo. Estava tentando me concentrar nessa questão de reduzir a folha salarial, o que já conseguimos. Conseguimos também montar um time que todos achavam que envergonharia o Vasco e está longe disso.
A minha maior vitória até aqui foi ter montado esse time sem gastar um centavo. E é um time que está lutando no Carioca. Derrapamos contra o Bangu, mas, fora isso, mostramos um bom futebol em todos os jogos. Essa é a maior vitória.
Sondagem a Kaká
Você pensa que eu não falei com o Kaká quando surgiram notícias de que ele estava insatisfeito no Real Madrid? Sonhar não custa nada. Conversei e ele agradeceu o interesse. Disse: o Real não vai me liberar de graça. Fui atrás porque estava se falando que ele poderia ser liberado sem custos. Peguei o telefone e liguei para ele. Como não pôde me atender na hora, mandei mensagem e ele me respondeu depois. Só pagando o salário é fácil, todo mundo quer. Quem não iria querer?! Claro que sonhei.
Assédio sobre Dedé
O Dedé é uma situação em que o Cristiano [Koehler, diretor geral do Vasco] está tentando de tudo [para mantê-lo]. Não é uma situação fácil, todo dia tem uma proposta por ele. Estamos tentando. Tem sido um jogador leal e tem recusado as ofertas. Para um menino da idade dele, é difícil não ficar seduzido. No contrato dele está previsto que ele pode sair depois de junho pagando a cláusula de rescisão. Antes disso, tem que ser uma coisa conversada com o Vasco. Depois, ele pode sair pelo valor previsto no contrato, mas aí o Vasco segue podendo comprar essa parte do investidor. Tem chegado muita coisa, mas o Dedé e o grupo de investidores (DIS) não têm causado problemas.
Corporativismo e Gaúcho
O Gaúcho [técnico do Vasco] ainda não teve a equipe toda em mãos, falta o Yotun [lateral esquerdo], por exemplo. O ideal é que se dê a ele tempo para trabalhar. A vida de treinador é complicada. Sempre acho que os trabalhos a longo prazo são os melhores. Se o Tite fosse mandado embora após o jogo com o Tolima [o time colombiano eliminou o Corinthians da pré-Libertadores de 2011] tudo poderia ter acontecido. O Tite vinha sendo detonado. Olha hoje o time, é o atual campeão mundial. Às vezes, dá para segurar; às vezes, não. Mas o ideal é sempre fazer o trabalho de longo prazo
Sei também que existem momentos em que o treinador tem que sair porque não tem jeito. Você vê que não vai a lugar nenhum porque falta química, o técnico perdeu o vestiário. Quando você não tem o grupo mais nas mãos, tem que trocar. Não sou corporativista a ponto de achar que o treinador tem que ser intocável. Acredito que treinador perde jogo, por exemplo.
Experiência como dirigente
Na Jamaica [René treinou a seleção do país por quatro anos e a levou para a Copa do Mundo de 1998] fui obrigado a ser tudo ao mesmo tempo. Tive que estudar e aprender a administrar. Ali, na prática, foi meu primeiro curso de gestão. Tenho 60 anos já também. Daqui a pouco é o campo que não ia me querer mais. Há três ou quatro anos tive convites para o mundo árabe e recusei porque já estava com 57 anos, não tinha mais gás. Mas sou movido a futebol. Fui estudar, me preparar. Hoje tenho curso Fifa de gestão, terminei há pouco. Não sei se volto um dia [como treinador].
Não sou cartola, cartola é aquele dirigente apaixonado pelo clube, e que trabalha por isso. Trabalho por amor a profissão e ao futebol. Tenho o costume de me apaixonar pelos lugares onde trabalho, mas isso é outra coisa.
É muito mais difícil ser gestor que treinador, embora você tenha mais estabilidade. São muito mais áreas com as quais você tem que se preocupar. O treinador tem a responsabilidade e essa imprevisibilidade, mas você tem menos áreas para cuidar. Hoje me sinto muito mais pressionado porque vivo os problemas de todos. O treinador tem só o campo e os jogadores. São situações mais difíceis de lidar. Talvez isso seja porque esteja vivendo um momento ímpar na vida do Vasco.
Sinceridade como arma
A maior dificuldade foi resgatar a autoestima de todos. Tanto do torcedor, como dos funcionários e atletas. Encontrei todo mundo quase que entregando os pontos. Nessa hora você tem que se energizar, respirar fundo e dizer: agora vou. O que é uma das grandes dificuldades talvez seja nosso maior incentivo. Tirar o clube dessa dificuldade. Isso em momento nenhum me assustou. Hoje já vemos uma melhora. A própria torcida já entendeu. A chegada foi muito difícil porque a verdade dói. Você dizer que não tem tudo aquilo que pensa e terá que reconquistar. Isso não é fácil. Hoje já está bem melhor.
O meu trabalho é dizer a verdade. Disse a todos que não poderia pagar nada agora. Disse para quem me emprestou jogadores, disse para os empresários, disse para os próprios jogadores.
Carlos Alberto garante ser apenas mais um no Vasco
Os jogadores que já estavam aqui tiveram a garantia de que receberiam antes de quem está chegando. O grande problema é quando você dá dinheiro a quem contrata e não para quem está. Aqui não, se tem para um, tem para todos. Isso ajudou muito. A chegada do Cristiano Koehler e de toda essa equipe dele também. Isso melhora a autoestima: ver pessoas vindo de outros lugares, que recebiam em dia, acreditando nesse projeto. Os próprios reforços acreditando também, assim como a torcida. Esse renascer depende de todos.
Novo departamento como legado
Quero montar um departamento de metodologia, que estudaria tudo o que acontece no futebol desde a captação de jogadores na base até o primeiro time. Ainda não consegui porque ainda não dá para contratar os profissionais necessários. Já comecei a montar a observação e captação [de atletas]. É importante ter um departamento que saiba onde estão todos os jogadores, não só os seus. Até mesmo para monitorar e encontrar possíveis reforços
Aposta em jogadores do clube que estavam em baixa
O Alessandro, por exemplo, foi decisão da comissão técnica que me disse que via qualidade nele e não sentia a necessidade de contratar outro goleiro além do Michel Alves. Já do Carlos Alberto todos sabem do potencial. É um jogador fantástico. Se eu trabalhasse como treinador e estivesse na seleção brasileira, ele em forma estaria na minha lista de convocados. O Rodolfo foi mais um ruído de comunicação. O Ricardo Gomes e Gaúcho gostam dele, não tinham nada contra. Eram outros problemas. Ele foi absolutamente sensível e abriu mão de muito dinheiro, porque poderia ter procurado a Justiça.