Acordar cedo, calçar as chuteiras, vestir o uniforme e entrar em campo. Esse é um início de dia normal para jogadores de futebol, não de um repórter. Ainda assim lá vou eu rumo à clínica oferecida pelo Ajax, que estava no Brasil em uma inter-temporada e realizou um amistoso contra o Vasco, vencido pela equipe carioca por 1 a 0. Entre os alunos, além de mim, ganhadores de uma promoção da internet e funcionários da sucursal carioca da empresa patrocinadora do clube.
Logo que o treinador dos holandeses, Frank de Boer, aparece e começa a explicar como será a dinâmica da brincadeira, percebo que não buscam um craque, e fico aliviado. Serão cinco grupos, cinco exercícios e o mesmo número de jogadores do time para nos orientar durante cada um dos estágios. O comandante e ex-zagueiro da seleção da Holanda foi bem claro quanto aos objetivos da clínica: se divertir, não se machucar e viver um pouco do dia a dia do jogador de futebol.
No primeiro, Jody Lukoki, atacante baixinho e simpático, foi o responsável por mostrar um exercício para trabalhar a velocidade com a bola. Logo depois, uma animada competição. O zagueiro Stefano Denswil separou quatro para cada lado e tínhamos que chutar as bolas para derrubar os cones. A metade que terminasse de derrubar os seus três cones ganhava um ponto. Minha equipe ganhou três e perdeu duas rodadas antes de Hennie Spijkerman, assistente técnico de De Boer e responsável por comandar tudo, apitar.
Sob os olhares de Van der Sar
Depois de dois exercícios com a bola nos pés, tinha chegado a vez de, finalmente, atuar na minha posição de origem: o gol (nunca fui bom na linha). Neste momento, o ex-camisa 1 da seleção holandesa, do Manchester United e do próprio Ajax, Edwin Van der Sar, entrava em campo. Sabe qual grupo ele foi conferir? O meu. Nervoso, com dificuldades para encontrar o tempo de bola e ainda me ambientando, comecei um pouco mal e o ataque, devo admitir, levou a melhor. Porém, lá para o décimo arremate fiz uma boa defesa. A confiança cresceu com os aplausos do ídolo que assistia tudo de perto. A cada boa defesa vinha um sinal de incentivo. Mas, como diz o ditado, quando a esmola é demais, o santo desconfia. Acabei querendo enfeitar em um chute forte, mas fácil de se defender, e falhei. Mantive a soberba sob controle durante os minutos restantes e não desapontei mais.
Animado com meu desempenho e já esquecido do frango, me aproximo de Van der Sar e brinco:
- Acha que dá para eu seguir carreira como goleiro?
Simpático e bem humorado, ele responde:
- Claro, fiquei animado com o seu início. Mas teve um momento alí que
não sei bem o que houve.
Apesar da lembrança percebo que ele gostou. Acabo tomando gosto pelo diálogo e brinco ainda mais.
- E defender o gol do Ajax no futuro, posso?
- Acho que ainda é cedo para dizer. Talvez com mais um tempo de treino. Acho que daqui a uns 15 anos você estaria pronto para ser terceiro goleiro - respondeu, aos risos. Torcedor do Vasco faz pedido especial a atleta do Ajax
Após passar por três exercícios, o corpo começou a sentir o forte calor que fazia no Rio de Janeiro. Frank de Boer, que a essa altura já havia percebido isso, deu um tempo nas atividades para a hidratação. Em seguida, Mitchell Dijks foi o nosso professor. Com o jovem defensor de 19 anos treinamos controle de bola com deslocamentos em zigue-zague. Antes de começarmos, um dos meus colegas, um vascaíno, abordou o jogador e pediu.
- Pega leve amanhã (domingo) contra o Vasco, por favor!
Sem conseguir se controlar, Dijks começou a rir e respondeu com ironia.
- Sim, claro. Pode deixar comigo. Vou fazer o possível (risos). No último trabalho do meu grupo, quando todos já estavam bem cansados, 20 minutos de uma partida em campo reduzido e com gols pequenos. Novamente fomos separados em duas equipes de quatro jogadores cada, dessa vez pelo meia Lucas Andersen, de 18 anos. Acabamos perdendo a partida, por 3 a 2, mas o objetivo principal foi atingido: nos divertimos demais.
Ao final de pouco mais de uma hora de atividades, De Boer voltou a ser o centro das atenções. O treinador agradeceu a presença e o empenho de todos nos treinamentos e reafirmou o dever cumprido do Ajax e disse esperar que todos não torcêssemos pelos holandeses na partida do dia seguinte. Foi a deixa para um gaiato cruz-maltino brincar.
- Só que não, né! disse baixinho.
*Por Daniel Falcão, sob asupervisão de Marcos Felipe.