Ricardo vivia estado de graça no Vasco antes de seu primeiro jogo na Bolívia, na altitude de Sucre, onde faria apenas o oitavo como jogador profissional, em fevereiro de 2018. Apesar do trocadilho, o panorama era esse mesmo. A menos de cinco meses do fim de seu contrato, fora chamado pelo técnico Zé Ricardo para compor elenco. Saiu-se bem nos quatro primeiros jogos do Carioca, num deles com direito a atuação sólida contra o Flamengo (empate por 0 a 0) que garantiu o que parecia uma inesperada renovação àquela altura.
Às vésperas de completar 21 anos, Ricardo Graça estava perto da afirmação no clube que o revelou. Até o boliviano Jorge Wilstermann aparecer, devolver os 4 a 0 e quase eliminar o Vasco ainda na pré-Libertadores. O vexame foi evitado nos pênaltis, mas a goleada sofrida trouxe críticas a Ricardo e seus companheiros.
Duas temporadas depois, com 54 partidas como profissional, 23 anos completos e classificação à Olimpíada com a Amarelinha nas costas, Ricardo volta ao país onde, em sua visão, viveu o maior aprendizado dentro do futebol. Desta vez o adversário é Oriente Petrolero, a competição é outra, a Sul-Americana, e altitude branda - Santa Cruz de La Sierra tem altitude de 416m, quase no nível do mar e bem inferior aos 2.800m de Sucre. As lembranças, porém, são inevitáveis.
- Esse jogo da Bolívia foi um aprendizado muito grande. Graças a Deus, a gente conseguiu classificar, deu tudo certo, e eu aprendi muito. Foi o que mudou a minha cabeça mesmo. A coisa que mais mudou no Ricardo foi isso. Que quando você falhar, você não é o pior do mundo. É normal. A gente erra o tempo todo na vida e no dia a dia.
- A diferença é o que você vai fazer depois do erro. Você tem que se consertar rápido porque no futebol as coisas mudam muito rápido - afirmou Ricardo, que deve iniciar a partida no banco de reservas.
Confira abaixo o relato de Ricardo sobre o aprendizado em Sucre:
Lembro que depois do jogo (contra o Flamengo), fui dar uma entrevista, e um cara me perguntou o que eu achava do jogo contra o Concepción, no Chile, pela Libertadores. Falei: "Cara, primeiro eu quero estar na lista, depois eu penso em jogar". Aí o repórter respondeu: "Não, Ricardo, o Zé Ricardo acabou de falar que você vai jogar". Saí do jogo contra o Flamengo chorando, muito feliz. Dois dias depois, o meu contrato já estava renovado.
Fiquei muito triste porque eu estava bem. Jogamos três jogos. Contra o Concepción, foi 4 a 0 lá e 2 a 0 aqui. Pegamos o Jorge Wilstermann aqui e metemos 4 a 0. Joguei os três jogos, fizemos 10 gols e não tomamos nenhum.
São jogos da Libertadores, você fazer 10 gols e não tomar nenhum? Eu estava sendo comparado a Ricardo Rocha, a Ricardo Gomes, Mauro Galvão. Diziam que eu eu era o novo Mauro Galvão do Vasco.
Os 4 a 0 para o Jorge Wilstermann
Aí acontece um jogo de 4 a 0 em que ninguém joga bem, todo mundo joga mal. A gente toma quatro gols, sendo que era para ter perdido o jogo. A gente não conseguiu fazer gols. Era para ter feito, teve pênalti que não foi marcado, bola na trave, gol perdido. A gente poderia ter classificado, mas também poderia ter sido eliminado. Foi um jogo aberto.
"Me fortaleci muito depois dali"
A gente não vai bem e, como eu saí do time, acabou sobrando para mim. Acho que tudo é aprendizado. Não acabou minha carreira, me fortaleci muito depois dali. A minha cabeça mudou muito. Quando se é da base e você só ganha, você está muito acostumado a coisas boas. E quando vem uma coisa negativa, você acaba sofrendo um baque. E você começa a ler muito comentário negativo.
"Não sou uma m... Sei jogar bola"
Escutava assim: "Você não merece estar no Vasco". Às vezes eu pensava: "Será que eu sou tão ruim assim? Será que eu não mereço estar lá?". Depois dessas críticas todas, parei para analisar e pensei. Eu jogo nove anos (na época) lá, sempre fui titular em todas as categorias. Sempre fui a defesa menos vazada em tudo, sempre joguei bem". Como é que eu não mereço estar lá?
Todo dia eu acordava e pegava ônibus para Itaguaí, com duas horas para ir e três, quatro horas para voltar. Chegava atrasado na escola porque era longe. Sempre me doei nos campeonatos, ganhei títulos na base do Vasco e me destaquei.
Você para e pensa: "Eu não sou uma m... Eu sei jogar bola". Não é à toa que eu virei profissional, joguei bem e fui para a Seleção agora.
E se hoje estou bem e todo mundo me coloca lá em cima, eu sei que não sou o melhor do mundo e que não sou a solução do Vasco. Da mesma forma que quando se está mal, você tem que saber que não é o pior.
Papo com os mais jovens após voltar do Pré-Olímpico
Eu estava conversando com os meninos: "Foca, trabalha e não liga mesmo se for criticado quando tiver uma chance". Continua trabalhando. Crítica, se você achar que for construtiva, pega para você e melhora. Agora críticas como "você é uma m..., não merece estar lá" são coisas que não vão acrescentar em nada na sua vida, você não precisa escutar. São coisas que, querendo ou não, ninguém gosta de escutar. Se escuto isso, eu nem dou trela.
Você tem que escutar as pessoas que querem teu bem e as do dia a dia, como treinador e preparador físico, que vão falar o que você precisa melhorar e o que fazer. Da mesma forma que você errou no jogo da quarta-feira, sábado você está virando o herói, metendo o gol da vitória, jogando bem pra caramba e todo mundo te elogiando.
Quando fizeram comparações ao Mauro Galvão, houve algum momento em que você pensou: "É, eu sou o f... mesmo?".
Não, nunca, sempre fui um cara bem tranquilo, pés no chão. Fui agora para a Seleção, voltei e não acho que tenho que ser o titular. Você tem que trabalhar para merecer. Sempre no final, eu acho que as coisas acontecem.
Eu ficava muito feliz, gostava e via as montagens que faziam. Tenho uma montagem comigo até hoje antes de eu entrar num clássico com o bigodinho e a barbicha do Ricardo Rocha. Minha foto mudando e indo igual ao Ricardo Rocha. Todo mundo gosta de ser elogiado. Gostava de escutar.
E já teve alguma montagem que te magoou?
As coisas negativas para mim eu acho engraçadas, esses memes acho muito engraçados. Não gosto de ofensas. Quando eu vou jogar na altitude e mostram o Ricardo com o balão de oxigênio, eu vou rir. Vou achar engraçado. Levo muito na esportiva. Futebol é isso. Às vezes a gente deixa o futebol muito chato. Acho que pode zoar sem faltar respeito.