De registradora pública à primeira mulher vice-presidente do Vasco da Gama, Sônia Maria Andrade dos Santos, aos 54 anos, sabe que precisará de muito mais que jogo de cintura para driblar as críticas e os desafios do mundo do futebol, majoritariamente masculino. É preciso mostrar resultados e fazer a diferença.
Vascaína desde a infância e sócia desde 2011, foi indicada ao posto de conselheira em novembro do ano passado e, posteriormente, convidada a integrar o time de Alexandre Campello. Diante do desafio, elencou dois objetivos. O primeiro, estimular a participação da figura feminina e, de modo paralelo, alavancar uma das principais marcas do clube: a inclusão.
Nesta Semana da Mulher, a segunda vice-presidente concedeu entrevista exclusiva para a Expresso. Confira a seguir:
Expresso: Como avalia esse período inicial, transcorrido mais de um mês de mandato?
Sônia Maria: Um momento de preocupação, porque você sai de uma gestão e entra em outra. Levantar todo o diagnóstico da realidade do que hoje realmente representa o Vasco da Gama é um desafio, mas o grupo que o Campello nomeou é competente, solidário. Uma vice-presidência fala com a outra, estando sempre dispostos a ajudar. O obstáculo ainda é levar o maior número de mulheres a se associar, a participar da política, a estar dentro de São Januário. Isso é um projeto que tenho na minha cabeça.
EX: O que mudou na rotina?
SM: Minha vida ficou enlouquecida. Além da minha atividade profissional, agrego a questão de estar à frente de um time de futebol. É mais uma responsabilidade. Consigo conciliar bem porque tenho agenda, secretária, sou uma pessoa organizada. Tem dias que saio do cartório e vou direto para o Vasco. Esporadicamente tenho que desmarcar algo por conta de um imprevisto, mas numa maneira geral, não tenho problemas, porque em todas as frentes eu trabalho sempre com o mesmo foco, que é o social.
EX: Sua participação política vem desde antes desta eleição. Quando surgiu o interesse em participar mais ativamente do clube?
SM: Entrei para o Vasco pela porta do social, porque participei há anos de uma das cidadanias vascaínas. Depois disso, ingressei no Vira Vasco, que é um grupo político. Ali passei a entender o negócio. Me convidaram para ser conselheira, eu e mais uma mulher. Logo depois, com a intenção do Campello de ser presidente, ele não falou só que queria ter mulheres na gestão do clube, ele colocou uma mulher na gestão. É aquela coisa: não basta falar, você tem que fazer.
EX: Como recebeu o convite para a vice-presidência?
SM: Me sinto privilegiada. Participar de uma gestão esportiva da dimensão do Vasco é uma coisa de grande responsabilidade, mas recebi o convite com um agradecimento enorme. O Campello é uma pessoa que tem uma visão de gestão muito boa e é um cara humilde. Independente de estar na presidência, fala com todos. Acho importante isso: estar no poder, mas não perder a essência. Uma pessoa com esse perfil tem tudo para dar certo.
EX: Qual o principal contraste da Sônia registradora-pública para a primeira vice-presidente do Vasco da Gama?
SM: A conclusão que chego é que as pessoas não me veem mais como registradora pública. Deixei de ter uma profissão. Faço trabalhos no Congresso Nacional e quando entro as pessoas só conseguem me visualizar como vice-presidente. Isso me leva a crer que a marca Vasco da Gama é muito forte.
EX: O fato de ser a primeira mulher trouxe resistência em algum momento?
SM: Por vezes a gente lê algumas coisas em redes sociais, mas acho que qualquer pessoa comprometida pode estar no meu lugar. Sobre as críticas, ou leio os comentários e largo ou eu deixo de ler. Então, preferi a segunda opção. Estou fazendo um curso de gestão de futebol na CBF, onde 15% da turma são mulheres. Todas mulheres, pessoas de todo o país, que não estão em uma vice-presidência, mas estão nos bastidores. Acho que minha função principal é dar exemplo para que façam exatamente isso: se qualificar e estar em outras funções esportivas no Brasil inteiro.
EX: Deixando um pouco de lado o administrativo, como é a Sônia enquanto torcedora?
SM: Acompanhar os jogos é algo que sempre fiz. Desde nova brigava com meu irmão para me levar aos estádios. Fui a única mulher que torcia pelo Vasco em casa. Ele não queria, tinha que enfrentar essa barreira, mas ao final sempre brigava e acabava me levando. Torcer é a parte boa da história, estar lá dentro, conhecer os jogadores, conversar com alguns. A mais difícil é a gente gerir de forma comprometida o Vasco. Inclusive, estou tendo contato com a torcida e todas as sugestões que me são passadas, levo para discutir. Algumas a gente consegue implementar, outras não. Ter contato com as pessoas é sempre um ganho de experiência.
EX: O Vasco sempre teve como lema a inclusão. O que esperar da nova diretoria administrativa no aspecto social?
SM: Vamos apresentar o projeto ‘A Casa é Nossa’, porque entendemos que qualquer ideia tem que começar pela moradia. Sem moradia, você não tem referencial. Em seguida, vamos entrar com um projeto de empreendedorismo dentro da Barreira do Vasco. O desemprego no Rio é uma coisa que grita. O Vasco tem uma história de um clube popular. Aqui dentro temos um colégio que forma atletas, como o Coutinho. Vamos conversar com o pessoal, com o sistema GPI, para tentar abrir um número de vagas para o entorno do clube, incentivando essas crianças. Para isso é preciso planejamento e patrocínio. Não adianta abrir as portas, colocar as crianças e não oferecer nada para elas. Temos pouco mais de 30 dias de gestão e precisamos fazer com que as pessoas acreditem no Vasco.
EX: No mesmo sentido, recentemente ganhou repercussão a assistência ao Valdiram. Como se deu a ação e em que passo ela está?
SM: O Valdiram está se recuperando. É uma pessoa que agradece muito o Vasco. Uma das falas que achei interessante dele é que ele já havia perdido muita coisa, por conta das drogas, do álcool, mas não queria perder a sua vida. No que depender da gestão social, além da recuperação, vamos dar um suporte para que possa progredir na vida e, quem sabe, dar palestras para outros esportistas também, resgatando mais pessoas.
EX: Outra novidade é a reabertura do sócio-geral, em que as mulheres passam a ter 20% de desconto na adesão. Essa foi uma discussão que contou com a sua presença?
SM: Essa discussão foi feita entre homens, que acharam que era imprescindível. A ideia partiu do próprio Campello, diga-se de passagem. Fiquei surpreendida com este item. A forma de viabilizar o maior número de mulheres nesta gestão é justamente facilitando o acesso delas como sócias. Um aspecto super positivo. No dia 10 agora vamos fazer um evento para celebrar essa data, com torcedoras, funcionárias, mulheres ligadas à imprensa e formadoras de opinião. Na Sede do Calabouço, das 08h às 14h. Inclusive, vamos apresentar lá todo o nosso trabalho de gestão e o planejamento.
EX: Para finalizar, qual mensagem deixa às vascaínas?
SM: Que elas me ajudem a denunciar a prática de violência contra as mulheres. Cada uma mulher da sociedade brasileira tem que ter a obrigação de denunciar uma outra que esteja sendo violentada, isso é de extrema importância. Sobre o clube, a gente só tem um time forte, se a torcida for forte. E para ela ser forte, a gente precisa do público feminino.