Dia 8 de janeiro de 2018. Em um shopping na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro, estão reunidos os principais nomes do que seria a futura cúpula do Vasco da Gama. Conversam Alexandre Campello, Fred Lopes, Roberto Monteiro, Edmundo, Felipe, Christiano Campos e Marcelo Macedo.
A reunião, porém, não corre bem. Há divergência de ideias. Campello não recebe bem a ideia da formação de um comitê para tomar as decisões do futebol e sente que será sempre voto vencido.
Ele, que seria o vice-presidente da pasta, também está incomodado com notícias na mídia, como a contratação de um diretor executivo e a negociação com o atacante Samuel Eto’o, ambas sem seu conhecimento - Julio Brant não participa do encontro porque está na Europa, onde se reuniu com o camaronês.
Correm no WhatsApp áudios de membros da Sempre Vasco chamando Campello de Rainha da Inglaterra, uma alusão de que não teria poder algum, mesmo sendo vice-presidente. O grupo nega a existência de tais mensagens.
Felipe, então, propõe que Campello escolha o diretor executivo de futebol do Vasco. Mas o caminho parece irreversível.
O clima tenso é o indício do que ocorreria 11 dias depois. No dia 19 de janeiro de 2018 - a data completa um ano neste sábado -, Campello se lançaria candidato à presidência do Vasco e venceria Julio Brant na eleição entre os conselheiros. Pela primeira vez na história do clube, a decisão dos sócios não foi referendada na segunda parte da eleição.
O GloboEsporte.com conversou com pessoas de todos os grupos políticos ligados à eleição. O intuito foi reconstituir e entender como se deu o racha da Sempre Vasco Livre, a coalizão de oposição a Eurico Miranda que venceu a primeira parte da eleição, mas implodiu antes mesmo de assumir.
O tema ainda é polêmico. Muitos personagens não quiseram conceder entrevistas. As versões, naturalmente, são conflitantes. Um ano depois da eleição, o tema ainda incomoda.
Dia 7 de novembro: a eleição com dois vencedores
Por volta das 2h30 da madrugada do dia 8 de novembro, dois candidatos à presidência do Vasco comemoram. O ginásio de basquete em São Januário é invadido por simpatizantes de Eurico Miranda, que fuma seu charuto numa cadeira enquanto é cercado por quem comemora sua vitória. Mas, a poucos metros dali, Julio Brant, acompanhado por Alexandre Campello, também festeja.
Explica-se: o resultado inicial apontou vitória a Eurico por 2.111 votos a 1.975 de Brant. Mas ali estava computada a polêmica urna 7, com suspeitas de fraude. Sem ela, o triunfo é de Brant: 1.933 contra 1.683.
Dia 18 de dezembro: a anulação da urna 7
Imediatamente após o resultado, a chapa Sempre Vasco Livre entra na Justiça pedindo a impugnação da urna 7. Após vitórias e recursos, a decisão final sai no dia 18 de dezembro, com a anulação dos votos, determinada pela desembargadora Márcia Alvarenga, da 17ª Câmara Criminal Cível.
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É o golpe final nas pretensões de Eurico Miranda ser presidente. Mas não o fim do jogo. Membros de grupos que apoiavam Eurico logo passam ao plano B. Já que não havia possibilidade de prevalecer o resultado original, querem evitar a vitória de Julio Brant em janeiro, quando os conselheiros escolherão, de fato, o novo presidente do Vasco.
- O Eurico ficou o mês de dezembro inteiro tentando a reversão na Justiça. Quando viu que estava difícil, se vislumbrou a possibilidade de derrotar o Julio. Independentemente do Campello – contou um sócio que apoiava Eurico.
27 de dezembro: o início da articulação
Os primeiros movimentos do Casaca! se dão na reunião do Conselho Deliberativo para votar o orçamento de 2018. Ali, há o primeiro contato com Roberto Monteiro, líder da Identidade Vasco, grupo importante na composição da Sempre Vasco Livre.
Monteiro é apontado como um dos grandes articuladores da vitória de Campello. No início de janeiro, ele mantinha conversas com beneméritos. Ele admite que recebeu sondagens de outros grupos políticos, mas ressalta que só viabilizou tudo depois da indicação de Campello.
- Quem dá o apontamento é o Campello. A conversa estava entre Campello e Brant. Cabia a nós, como grupo, confiar nas informações do Campello. O que entornou o caldo foi a negociação com o Eto’o – afirma Monteiro.
Do outro lado do front, as pequenas diferenças
O caldo pode ter entornado com Eto’o, mas o copo começou a se encher bem antes. Após a confirmação da vitória de Brant, os grupos começam a conversar para desenhar a diretoria.
De início, é estipulado um comitê diretor do clube, com seis membros: Julio Brant, Alexandre Campello, Edmundo, Fred Lopes, Christiano Campos e Roberto Monteiro. Fred, aliás, seria originalmente o vice-presidente de futebol, cargo que acabou ocupando com a eleição de Campello.
Há a queixa, da parte de quem acompanhou Campello, de que Brant se ausentou de boa parte dos encontros – o que é negado pela Sempre Vasco.
De fato, Brant viaja no fim de 2017. Campello alega que foi comunicado de que Brant passaria as festas de Natal e Ano Novo nos EUA, mas se surpreendeu com a presença do então aliado na Europa.
A Sempre Vasco afirma que Campello sabia da viagem de Brant, mas o atual presidente afirma que não soube da ida, apenas da volta. No Velho Continente, Julio busca parcerias. Uma delas inclui um fundo de investimentos, que sugere Samuel Eto’o como garoto propaganda.
Outro problema é a indicação de Janaína Farias como diretora de Recursos Humanos do clube. No acordo da Sempre Vasco Livre, esta é uma vaga a ser preenchida pela Identidade Vasco. Entretanto, uma foto vaza com Janaína em reunião com Brant. A Sempre Vasco nega que houve contratação.
A entrada de Carlos Leite
No início de janeiro, na qualidade de vice-presidente de futebol, Alexandre Campello se reúne com Carlos Leite, empresário influente em São Januário nos tempos de Eurico. O Vasco tinha uma dívida de cerca de R$ 10 milhões com o agente. O encontro, porém, toma outro rumo: incomodado com as atitudes de Brant, Leite avisa que só conversa com quem toma as decisões.
- Ele me procurou na semana que antecedia a eleição querendo tratar de vários assuntos. Respondi que não poderia tratar nada com ele. A bonita caneta dele, apesar de ser um Montblanc, não tinha tinta suficiente para tratar nada comigo - contou Carlos Leite.
Carlos também afirmou que sua relação com o Vasco é de longa data.
- Tenho relação com o Vasco desde setembro de 2008, parece que sou influente por causa do Eurico, o que não é verdade.
O empresário é apontado por diversas pessoas como peça-chave na articulação da candidatura. Ele é visto como o responsável por viabilizar o apoio de Eurico. Roberto Monteiro, por outro lado, confirma que se encontrou com o agente.
- Ele me chamou para uma conversa privada, que eu recusei. Eu só conversava junto com os representantes do grupo. Quando ele estava presente, foi junto com outras pessoas. Toda vez que nós nos reunimos e que ele estava presente, estavam outros beneméritos e grandes beneméritos. Ele estava ali como fiador do Campello - disse Monteiro.
Carlos Leite negou qualquer conversa privada com Monteiro.
- Nunca convidei o Roberto Monteiro para conversas privadas, nunca tive a mínima intimidade com este senhor, a mentira parece ser normal na vida dele pelo que tenho visto nesse último ano.
A partir desta articulação, começa a mobilização. Campello se reúne com a Identidade Vasco e avisa que quer se lançar candidato.
- Estávamos num jantar na Barra da Tijuca. Ele avisou que esteve com o Carlos Leite, que se sentia traído pelo Brant e que achava que tinha condições de ganhar o processo. O grupo se reuniu e decidiu - diz Monteiro, que também confirma reunião com Eurico Miranda.
- Esse momento existiu.
Dia 12 de janeiro: a entrevista de Julio Brant
O clima ruim entre Campello e Brant e o início das articulações entre Casaca! e Identidade Vasco convergem no início de janeiro. No dia 12, Julio Brant concede entrevista coletiva na qual se autodeclara presidente do clube. Campello, seu vice, não comparece.
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A entrevista é vista como um dos erros de Brant no período. Subindo o tom, ele desagrada beneméritos, que votariam contra ele uma semana depois, na eleição. A ideia da coletiva é avisar ao mercado que os contratos assinados nos últimos dias da gestão de Eurico serão revisados – é a época da venda de Mateus Vital ao Corinthians, do patrocínio malsucedido da Lasa etc.
- A entrevista era para falar de uma situação. Quando o Campello não foi, não era para o Julio ter ido. Mas ele resolveu ir. O Julio, por vezes, é impetuoso, incontrolável. Ali, a situação já estava definida. Campello não foi porque não quis – afirma uma fonte que acompanhou de perto as movimentações.
Em entrevista em 2018, Campello afirmou que não foi convidado para a coletiva. A Sempre Vasco tem outra versão: diz que ele confirmou presença, mas depois desmarcou.
A semana decisiva
A partir daquela entrevista, os fatos são rápidos. No dia 13 de janeiro, a Identidade Vasco divulga uma nota afirmando que não vai fazer parte da gestão de Brant. Isso acende o alerta na Sempre Vasco, que liga para grupos que compõem a Identidade questionando o comunicado.
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No dia seguinte, um domingo, acontece a última reunião da então Sempre Vasco Livre: Julio Brant, Christiano Campos, Alexandre Campello, Fred Lopes e Roberto Monteiro. Nela, os membros da Identidade Vasco reafirmam que seguirão juntos com Brant na eleição.
Nos três dias seguintes, porém, membros da Sempre Vasco não conseguem mais contatos frequentes com Campello. Os boatos sobre a possível candidatura independente dele começam a ganhar força.
Na terça-feira, beneméritos procuram a Sempre Vasco com uma proposta. A ideia é que Brant apoie outro nome para a presidência – Fernando Horta é um dos cogitados. A oferta é chamada até hoje pela chapa de “golpe do golpe”. Mas Brant declina.
- Se eu aceitar isso, eu que serei o traidor – diz o candidato aos interlocutores.
18 de janeiro: a saída de Campello
A quinta-feira, véspera da eleição, é decisiva. À noite, Alexandre Campello publica um vídeo em que anuncia que não será mais vice-presidente de Brant e fala em “sentimento de traição”.
- Sentimento é de traição. Passamos a não servir mais. Eles se fecharam em quatro ou cinco. Reivindicamos participação, e não cargos. Brigamos por transparência, e já começou de maneira nebulosa. Não serei mais o vice, mas quero garantir aos vascaínos que o propósito de trazer mudança e transformação será mantido - disse Campello.
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Antes do vídeo, porém, lideranças da Identidade Vasco continuam a garantir que estava tudo normal. Tanto que, à tarde, a então chapa Sempre Vasco Livre roda as cédulas com Brant e Campello para a eleição. Em vão.
19 de janeiro: as movimentações pré-eleição
O anúncio de Campello é a confirmação de todos os lados do que acontecerá no dia seguinte. Na manhã de sexta-feira, dia da eleição, membros da Sempre Vasco tentam reverter a derrota anunciada.
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Pela manhã, se dividem: um grupo passa a conversar intensamente com os beneméritos. Outro se reúne às 7h30 no Centro do Rio de Janeiro.
Estão presentes Faues Mussa, eleito presidente da Assembleia Geral, Fabio Muniz, conselheiro da Sempre Vasco, Alan Belaciano, membro do corpo jurídico da chapa, e três membros da Cruzada, que apoiava inicialmente a Identidade Vasco, mas desembarcou por não concordar com a candidatura de Campello: Carlos Leão (presidente), João Marcos Amorim e João Ernesto Ferreira.
Por volta das 12h, Julio Brant, Christiano Campos e Alan Belaciano vão ao escritório de José Luís Moreira. É a tentativa de obter o apoio do grupo de Fernando Horta, outro candidato à presidência em novembro. Além de Horta e José Luís, está presente Otto Carvalho.
É negociado o apoio a Otto como presidente do Conselho Fiscal e Eduardo Rebuzzi como presidente do Conselho dos Beneméritos. Mas o clima é de pessimismo.
- O Julio estava decepcionado. Eu já sabia que não tinha jeito. Era apenas para cumprir tabela – lembrou Otto.
Do outro lado, também há tensão. Roberto Monteiro, por exemplo, inundado por mensagens e telefonemas, passa a usar outros números, mais reservados, para se comunicar.
Campello, na hora do almoço, se irrita com uma postagem de Brant no Twitter, convocando a torcida a aparecer na Sede Náutica da Lagoa, onde será a eleição – ele vê isso como incitação à violência. Quer responder, mas é demovido por pessoas próximas.
Conforme vai se aproximando a hora da eleição, a Sempre Vasco ganha um aliado. Antonio Soares Calçada, presidente de honra do Vasco, se solidariza, oferece ajuda e aceita ser vice-presidente de Brant. O fato, porém, não preocupa os adversários e é visto como tendo efeito muito mais externo, para a torcida, do que interno.
19 de janeiro: a vitória de Campello
A única tensão é se, realmente, Campello se lançará candidato. Incomunicável ao longo do dia, ele só se confirma na disputa ao chegar na Lagoa. Sem qualquer alinhamento com Brant, acredita que, vencendo, poderá colocar em prática o que havia prometido na campanha.
- A gente já sabia o que ia acontecer. Nós estávamos na expectativa se o Campello teria coragem. Quando apareceu a cédula, não foi surpresa. Sabíamos que íamos ganhar – afirmou um conselheiro ligado a Eurico.
Alexandre Campello comemora a vitória na eleição do Vasco — Foto: Paulo Fernandes/Vasco.com.br
Dentro da sede náutica, a reunião é tensa. Há brigas entre conselheiros rivais. Carlos Leão, presidente da Cruzada, vai para cima de Campello. O futuro presidente permanece quieto. Os relatos são de que ele se mantém comedido o tempo todo, até mesmo após a vitória.
Julio Brant é descrito pelas pessoas presentes como atordoado. Após a vitória de Roberto Monteiro no Conselho Deliberativo – um indicativo inequívoco do triunfo de Campello -, ele ainda tenta falar no microfone, mas um conselheiro ligado a Eurico retira o fio, dando início a nova discussão.
Com a vitória confirmada, Campello assume a presidência do Vasco. Meses depois, racha com a Identidade Vasco e forma nova diretoria, composta por alguns grupos que votaram em Brant na eleição. Hoje, o cenário político cruz-maltino é ainda mais fragmentado do que na ocasião. Um novo encontro está marcado para 2020.