O Vasco olha para o futuro de olho na SAF e tem em seu passado um exemplo de uma parceria com investidores que deixou marcas em todos os sentidos. Há exatos 21 anos, o clube rompia com o Bank of America (antes chamado Nations Bank), parceria que rendeu dinheiro e títulos, mas deixou dívidas e processos judiciais pelo não cumprimento do acordo.
Apesar de o casamento ter durado pouco e do divórcio litigioso, a parceria proporcionou momentos inesquecíveis ao torcedor, contratações impactantes e títulos importantes. O vascaíno lembra com nostalgia, mas as sequelas da separação colaboraram para o clube chegar ao atual estágio, atolado em dívidas, sem dinheiro e com resultados esportivos decepcionantes há anos.
Craques e títulos
Firmado em 8 de abril de 1998, o acordo entre Vasco e Nations Bank cedia por dez anos a exploração da marca do clube, com expectativa de aumentar o faturamento para até R$ 150 milhões anuais. Logo depois, o banco adquiriu o BankAmerica e foi formado o Bank of America. Nos três anos em que a parceria durou, o Vasco teve grandes resultados esportivos. Ganhou títulos da Libertadores (1998), do Brasileiro (2000), da Mercosul (2000), do Rio-São Paulo (1999) e do Carioca (1998).
Foi uma época em que o Vasco investia pesadamente no futebol. Romário, Edmundo (volta em 1999), Viola, Donizete, Luizão, Juninho Paulista, Euller, Junior Baiano, Zé Maria e Jorginho foram alguns nomes contratados entre 1998 e 2021. Eles se juntaram a uma geração talentosa revelada em São Januário, que já havia ajudado a conquistar o Brasileirão de 1997. O resultado foi uma sequência de taças.
Impasse e rompimento
O que foi bom durou pouco, no entanto. O alto investimento causou primeira rusga na relação. Com a proximidade dos Jogos de Sydney, em 2000, o então vice de futebol do clube, Eurico Miranda, que viria a concorrer à presidência e se eleger no fim daquele ano olímpico, apostou em transformar o Vasco em potência olímpica.
Foram contratados atletas como Gustavo Borges (natação), Hélio Rubens e Helinho (basquete), Fernanda Venturini (vôlei), Rodrigo Pessoa (hipismo), Adriana Behar e Shelda (vôlei de praia) e Robert Scheidt (vela). Nomes de peso, que deram visibilidade, mas pouco retorno financeiro.
Com previsão para se encerrar em abril de 2008, o contrato entre Vasco e Nations Bank foi estendido até 2024 devido a adiantamentos feitos pelo clube já no primeiro ano da parceria. Com os gastos no alto, como os R$ 18 milhões investidos só nos esportes olímpicos em 1999, os americanos frearam os repasses, o que não agradou ao clube. A relação foi se estremecendo nos anos seguintes.
O contrato previa que a VGL, empresa criada por Vasco e Bank of America, recebesse R$ 34 milhões para investimento imediato no futebol e em outros esportes, com o intuito de aumentar a exposição do clube. Mas, três anos após a assinatura, o clube decidiu pelo rompimento de forma unilateral por enteder que o banco deixou de repassar dinheiro, mas acabou herdando uma dívida de mais de R$ 100 milhões, o que comprometeu as finanças nos anos seguintes.
Na ocasião, o banco ameaçou penhorar São Januário e vender jogadores para recuperar o investimento, o que acabou não acontecendo. Na época, o então vice-presidente jurídico do Vasco, Paulo Reis, afirmou em nota oficial que a VGL devia 12 milhões de dólares ao clube, que já não demonstrava satisfação com a parceria havia alguns meses. Mas, em vez de receber do Bank of America, o clube foi acionado na Justiça pela empresa americana e ficou com uma dívida milionária.
Salgado critica forma como parceria foi conduzida
Atual presidente do Vasco, Jorge Salgado havia concorrido nas eleições do clube em 1997, mas foi derrotado por Antônio Soares Calçada. Em entrevista ao ge durante a campanha eleitoral de 2020, ele recordou o acordo com o Bank of America que, na sua opinião, foi mal administrado na época.
- Depois de 1997, o Vasco recebeu uma injeção muito forte de recursos, de 70 milhões de dólares. Na época, o clube tinha uma dívida de 10, 15 milhões de dólares. Havia 50 milhões de dólares para construir o maior clube do Brasil na época, deixar um legado para o torcedor, para o sócio. O que aconteceu foi que o pavio ficou aceso por muito pouco tempo. Se gastou essa grana toda em despesas correntes, não foi feito nenhum tipo de investimento relevante, nenhum legado.
- A única coisa planejada, mas sem nenhum tipo de retorno, foi o projeto olímpico, que nos deu um prejuízo enorme e nenhum tipo de retorno. Até hoje tem jogadores daquele projeto com ações trabalhistas. O Vasco conseguiu a proeza de torrar 50 milhões de dólares e não deixar legado de planejamento e patrimônio. Conseguiu deixar algum legado no campo esportivo, foi campeão brasileiro e da Libertadores, mas acho que foi muito pouco para o tamanho dos recursos que o Vasco conseguiu - disse Salgado em outubro de 2020.
Denúncia e investigação na CPI
Ainda em 2001, o contrato com a empresa americana foi parar na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre irregularidades no futebol brasileiro. Depoimento do ex-presidente vascaíno Agathyrno da Silva Gomes apontou que apenas R$ 17 milhões dos R$ 34 milhões investidos pelo Bank of America "foram contabilizados pela tesouraria do Vasco" e que metade do dinheiro teria sido depositada na conta de terceiros por ordem de Eurico Miranda, à época vice-presidente de futebol.
O Senado Federal solicitou quebra do sigilo bancário da VGL, que apontou pedido de Eurico para que fossem feitas transferências para um paraíso fiscal nas Bahamas, no valor total de R$ 12,5 milhões.
Corrida pela SAF
A parceria foi lembrada nas últimas semanas em debate sobre a SAF transmitido ao vivo pela Vasco TV. Na apresentação, o vice-presidente jurídico do clube, Zeca Bulhões, lembrou a ocasião em que o Vasco recebeu investimento de fora e conquistou títulos de peso.
- A SAF gera muitas oportunidades livres de dívidas, que serão organizadas para pagamento de forma organizada. Vai assegurar o pagamento das dívidas. O futebol requer muito dinheiro. O modelo jurídico do clube tem que estar preparado para suportar esses custos. Particularmente, vejo com bons olhos esse movimento de profissionalização dos clubes. Como torcedor vascaíno, lembro muito bem que a última vez que o Vasco se abriu a investimento externo ganhou a Libertadores, o Brasileiro, a Copa Mercosul e o Carioca - defendeu Bulhões em janeiro deste ano.
Duas décadas depois, o presidente Jorge Salgado acredita que a SAF é a melhor solução para o Vasco vencer a crise financeira que se agrava com o passar dos anos. O estatuto da empresa está em fase final de conclusão para ser encaminhado para apreciação do Conselho Deliberativo. A ideia é trazer um investidor que equacione as dívidas e injete dinheiro imediato no futebol.
Após meses de debates internos, o clube avançou no estatuto que apresentará ao Conselho Deliberativo nas próximas semanas. Hoje, o clube entende que a venda de mais de 50% das ações do futebol é a forma mais rápida de conseguir investimentos de forma mais rápida.
O presidente Jorge Salgado, inclusive, terá encontro que investidores interessados na SAF do Vasco nos próximos dias. O dirigente vai viajar com a família e aproveitar para tratar do tema fora do país. Ele se ausentará do cargo por 15 dias. Nesse período, Carlos Osório assume interinamente.