Antes de mais nada, saiba: anular uma partida de futebol é coisa rara na Justiça Esportiva.
E nao sou eu que acho isso. É a jurisprudência que diz. Isso porque ela trabalha sempre tendo como base o princípio da estabilidade da competição (imagina se fosse comum a anulação, como ficaria o calendário de um evento?).
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Por isso são raríssimos os casos de anulação. Prova cabal de interferência externa e erro de direito são exceções que dão causa a anulação.
Erro de direito é desconhecimento da regra: 12 jogadores em campo, por exemplo. Erros de direito são casos passíveis de anulação. Erros de fato (interpretação do juiz ou impedimento, por exemplo), não.
O Vasco se baseia nisso. Entende que o protocolo do VAR não foi utilizado corretamente, logo, seria erro de direito.
O centro da discussão deve ser este. A falta que gerou a anulação do lance acontece mesmo no lance do gol, ou muito antes?
Acho que as chances são pequenas, mas vejo caminho jurídico válido para o Vasco. Existe uma boa discussão jurídica aí. O clube que se sente lesado tem esse caminho jurídico para seguir, desde que não use a Justiça como espuma para desviar o foco para o que realmente importa.
Mas existe uma discussão boa, tanto que especialistas se dividem sobre essa questão. É o que conta Thiago Braga.
Menos de um mês após o Superior Tribunal de Justiça Esportiva negar o pedido do Botafogo para anular o jogo com o Palmeiras, outro clube carioca foi até o STJD tentar impugnar uma partida por suposto erro no procedimento do VAR.
O Vasco entende que o VAR foi aplicado incorretamente no lance do gol de Yago Pikachu marcado no reinício do segundo tempo do jogo contra o Grêmio, mas posteriormente anulado pelo árbitro Rodolpho Toski Marques. "Houve, portanto, um erro de direito, e não um erro de fato", alegou o cruz-maltino em nota oficial. Quando o gol foi anulado, o Vasco vencia por 1 a 0, placar que acabaria sendo revertido pelo Grêmio, que ganhou por 2 a 1.
Para o especialista em direito esportivo Vinícius Loureiro, a reclamação do Vasco é pertinente. No entendimento de Loureiro, o clube carioca pode ter sucesso no pedido ao STJD.
"Vou ser obrigado a concordar com o pedido de anulação. A infração ocorreu, sem dúvida, mas não no lance do gol. Naquele momento, para aquele lance, o árbitro não poderia utilizar o VAR. Não era um lance de expulsão, pênalti ou gol. O lance do gol não pode ser considerado tudo aquilo que acontece entre o gol e a última paralisação. Isso provocaria grave distorção no espírito da ferramenta, das normas e do esporte", analisa Loureiro.
Quando o uso do VAR foi aprovado pela International Board, órgão que rege as regras do futebol mundial, um dispositivo diminuiu as chances de as partidas serem anuladas por conta do árbitro de vídeo, ao afirmar que "em princípio, uma partida não é invalidada por causa de revisões sobre uma situação ou decisão não revisável".
Segundo Loureiro, essa redação é o que dá margem para que o jogo não seja impugnado pelo STJD.
"Esse vai ser o argumento da defesa, de que não é anulável porque foi apenas a revisão de um lance que não deveria ter sido revisto. Se entenderem assim, no entanto, isso dará liberdade ao árbitro para fazer o que bem entender com qualquer lance da partida, o que não deveria ocorrer", justificou o especialista.
Para entender o pedido do Vasco, é preciso saber o que é erro de fato e o que é erro de direito. O exemplo mais usado para descrever as duas situações é: erro de direito é quando uma equipe atua com 12 jogadores; erro de fato é quando um gol é marcado por um jogador em impedimento.
O advogado especializado em direito esportivo Caio Medauar discorda da interpretação do Vasco no lance. "Acho remota a possibilidade [de anulação], pois pela imagem que aparece é possível interpretar o lance como falta", analisou Medauar.
Outra polêmica envolvendo o jogo ficou na escalação da equipe de arbitragem que conduziu a partida. Na cabine do VAR estavam Paulo Roberto Alves Júnior, que apitou Botafogo x Palmeiras, e Adriano Milczvski, que foi o árbitro de vídeo no jogo que gerou a tentativa de impugnação do resultado contra o Palmeiras a pedido do Botafogo.
Além de tentar a realização de outra partida contra o Grêmio, o Vasco quer uma revisão na regra do VAR. "O VAR tem critérios que não são claros, e tem que haver uma revisão nesses critérios. Você tem muitos árbitros envolvidos e acaba tirando a autonomia do árbitro", afirmou o diretor de futebol do Vasco, André Mazzucco.
Se o STJD acatar o pedido e levar a questão a julgamento, o órgão deverá pedir para que a CBF tire os três pontos do Grêmio enquanto o caso não tiver sido julgado. Além disso, o chefe da comissão de arbitragem da CBF, Leonardo Gaciba, já informou ao STJD que, sempre que o áudio da comunicação entre árbitro de campo e árbitro de vídeo for solicitada pelo tribunal, ele será entregue, assim como aconteceu no julgamento entre Botafogo e Palmeiras.