Polêmico, acerto entre clubes e jogadores tem proliferado no país e causado atritos judiciais. Envolvidos culpam lei de 1998 por repartir domínio dos direitos econômicos dos atletas.
O futebol nacional sonha com a profissionalização total de sua estrutura, mas um elemento típico da fase aguda do amadorismo ainda atrapalha os planos de dirigentes, atletas e empresários: o "contrato de gaveta".
famigerado acordo consiste na assinatura de dois vínculos com o atleta contratado pelo clube. Um contrato é registrado na hora na CBF (Confederação Brasileira de Futebol); o outro fica sob posse do clube, sem cópia para o atleta, guardado para ser aplicado imediatamente após expirar o primeiro vínculo.
Detentor de um documento contendo a assinatura do atleta, o clube pode simplesmente rasgar o papel caso entenda não valer a pena registrar o próximo vínculo, mesmo sem a anuência do jogador. Mas esse detalhe é o que menos vem causando brigas na Justiça.
"O maior problema do \"gaveta\" é quando o jogador está apagado e se agarra a um contrato, aceitando até mesmo assinar um segundo acordo, o que o amarra ao clube. Tempos depois ele se valoriza e vê que aqueles valores acertados anteriormente estão totalmente defasados. Nessa hora começa a briga", revela Ricardo Mendes, empresário de atletas.
Devido à conduta impositiva adotada por alguns dirigentes, a maioria dos atletas insatisfeitos com a "gaveta" entra com ações na Justiça acusando clubes de coação. Esse foi o caso do ala Denis, que afirmou ter sido pressionado pelo Santos a firmar novo vínculo. A Justiça, porém, indeferiu pedido.
"Na hora do êxtase tudo é maravilhoso. Os atletas vão lá e assinam. O problema é depois do êxtase. Mas quem assina tem de cumprir a palavra", entende o técnico Emerson Leão.
Leandro Amaral sente as agruras do "gaveta". O atacante chegou ao Vasco em 2006 na esperança de reconquistar espaço no futebol. E conseguiu marcando muitos gols.
Amaral despertou interesse do Fluminense, que firmou acordo no final de 2007. O Vasco, entretanto, alega possuir documento assinado pelo atleta que estende automaticamente sua estada em São Januário. Por esse motivo, o time cobra rescisão contratual (R$ 9,04 mi) caso o atleta saia.
"Eu lamento terem envolvido o jogador nesta situação, mas o único que está sendo prejudicado financeiramente é o Vasco. Nós não queremos atrapalhar o atleta, mas nós perdemos em alguns aspectos. Se ele tivesse interesse em rescindir o contrato, deveria indenizar a instituição com o valor previsto no compromisso", argumenta o vice-jurídico do Vasco, Paulo Reis.
Depois de liminares, a Justiça do Rio entendeu que o Vasco ainda possui vínculo e proibiu o atacante de retornar ao Fluminense.
"O que estão fazendo com o Leandro é coisa de doido. É um absurdo o trabalhador ser forçado a trabalhar onde não quer. E agora o colocaram de castigo, algo da época da escravidão", rebate o presidente do Sindicato de Atletas de São Paulo, Rinaldo Martorelli.
Na lista dos insatisfeitos já estiveram Kléber Pereira, Rodrigo Souto, Marcos Aurélio, Johnson (ex-Lusa) entre outros.
Culpa da Lei Pelé?
Grande parte dos clubes, empresários e atletas aponta a Lei Pelé, outorgada em 1998, como a maior responsável pela proliferação do contrato de gaveta.
"Hoje os clubes ficaram reféns de empresários e jogadores. É uma das poucas ferramentas que os clubes arrumaram para se garantir", diz Ricardo Mendes.
Para impor o "gaveta" com o consentimento dos jogadores, clubes recorrem a luvas polpudas (espécie de bônus), adiantamento salarial, reajustam contrato seguinte e, em alguns casos, prometem negociá-lo durante o primeiro vínculo.
Pelo fato dessa prática ser seguida por vários clubes, numa espécie de "conchavo", não é raro acontecer de o atleta ficar sem opção de escapar do esquema.
Destaque do Santos, Kléber Pereira, enfim, definiu o imbróglio sobre sua permanência na Vila. Ele alegava não ter assinado acordo; o Santos rebatia dizendo que possuía o "gaveta". Para firmar nova união e evitar conflito com o atacante, o Santos aumentou o ordenado do atleta em 40%, cujo contrato agora vence no final de 2009.
"Não classifico nem como ilegal ou imoral quem usa esse artifício. Seria \"burral\" mesmo. A palavra final fica sempre com o clube, que é o dono da chave da gaveta", acrescenta Mendes.