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Vítima do Covid-19, Célio Taveira era mais conhecido fora do país

Certo dia a filha de Célio Taveira, Camila, falou algo sobre a carreira do pai, um dos maiores atacantes que o futebol brasileiro já produziu:

- Meu pai é mais reconhecido no Uruguai do que no país dele.

O tom não era só de lamento. Era de indignação mesmo. Até porque Célio amava o seu país. Desfrutava-o como a uma fruta saborosa. Tinha orgulho de ter servido ao exército com Pelé, de ter sido contemporâneo do Rei. De ter sido artilheiro e campeão pelo Vasco. De ter defendido o Corinthians. Ah, de chegar à Seleção Brasileira. O sonho era Copa do Mundo de 1966, na Inglaterra. Ficou no quase.

Célio Taveira morreu na madrugada da última sexta-feira, 29 de maio, vítima da Covid-19. Estava internado no Hospital Metropolitano, em Santa Rita, na Grande João Pessoa. Assim que soube do ocorrido, o Nacional-URU, clube que defendeu de 1967 a 1970, não se furtou a fazer homenagens... No site oficial, nas redes sociais, resgatando jogos históricos, crônicas... Perdia uma parte de sua história.

O clube também decretou luto oficial pela morte do atacante, além de determinar que a bandeira na sede fique a meio mastro em sinal de respeito.

No Brasil, a referência se limitou a uma postagem do Vasco, já no fim do dia. Pelo menos fez. A CBF poderia ter feito. O Corinthians, último time de Célio, já em 1970, idem.

Para ser justo, o Botafogo-PB também prestou uma homenagem ao velho atacante. Vivendo em João Pessoa desde 1979, onde chegou a ser comentarista esportivo, Célio Taveira virou torcedor do Belo. O clube emitiu uma nota de pesar.

Foto: ReproduçãoNota de pesar do Botafogo-PB

Artilheiro com jeito de galã

Se Célio fosse de outro país, sua morte repercutiria muito mais. Ele era um daqueles românticos da bola, um goleador fino. Era um galã que seduzia, ao mesmo tempo, os brutos das arquibancadas e as moçoilas recatadas que buscavam um recorte holiwoodiano nos jogadores da época.

Sim, estamos falando da década de 60. O futebol já era o assunto principal do Brasil. Já éramos bicampeões mundiais, e Célio Taveira viveu essa realidade de perto. Com Pelé, o artífice desses dois primeiros títulos, jogou na seleção do exército e guardava consigo essa lembrança - foram campeões do Sul-Americano das Forças Armadas em 1959. Até hoje, a vitória de 2 a 1 na final contra a Argentina, em plena La Bombonera, é reconhecida como uma das grandes façanhas do nosso futebol.

Era para ser assim. Pelé brilhava no Santos, ganhava as capas de todos os jornais do mundo. Célio, conterrâneo da cidade praieira, até tentou a sorte no Peixe. Mas, aos 16 anos, acabou dispensado pelo técnico Ramiro Valente. Teve que se aventurar em clubes menores. Portuguesa Santista, Jabaquara... Faltava-lhe um time com pedigree para a sua carreira deslanchar!

No Vasco, trilhando o caminho do avô

Foi quando surgiu o Vasco na sua vida, em 1963. Ia defender um clube que tinha raízes familiares. O avô, Antônio Taveira de Magalhães, foi bicampeão carioca de remo em 1905 e 1906. A primeira conquista, aliás, foi a primeira do Vasco na modalidade. Já veterano, ganhou também em 1914.

Quase 50 anos depois, Célio queria repetir o avô. Ser campeão pelo time de coração. Mas o período não ajudava. O Vasco atravessava o que seria confirmado depois como a sua pior seca de títulos no futebol. Via os rivais protagonizarem as disputas estaduais. O Flamengo, de Carlinhos e Nelsinho, ganhou os títulos de 1963 e 1965. O Fluminense, de Castilho, Carlos Alberto Torres e Altair, venceu em 1964. E o Bangu, poderoso àquela época com Ubirajara, Fidélis e Paulo Borges, foi campeão em 1966. Ah, tinha o Botafogo, com um tal Garrincha ainda enfileirando os rivais.

O Vasco sofria. Virava, naqueles anos, a quarta ou quinta força do futebol carioca. Não por culpa de Célio. O atacante fazia a sua parte, marcando muitos gols. Conquistou uma legião de fãs cruz-maltinos. Os mais velhos, hoje em dia, o reverenciam como um dos grandes da história do clube. Os números ajudam a confirmar essa tese: 110 gols, o que lhe torna, ainda hoje, o 15º maior artilheiro de uma lista encabeçada por Roberto Dinamite, Romário e Ademir Menezes.

O único título de expressão conquistado por Célio no Brasil foi um retrato da bagunça que era o futebol naqueles tempos. O Torneio Rio-São Paulo, já em seus últimos suspiros de sanidade, teve quatro campeões em 1966. Vasco, Botafogo, Santos e Corinthians repartiram a taça por falta de datas, já que a prioridade era a Copa do Mundo daquele ano. Mais uma vez, Célio levou o time nas costas. Fez seis dos doze gols da equipe. Foi vice-artilheiro da competição, atrás somente de Parada, do Botafogo, que fez oito.

Ganhou ainda a primeira Taça Guanabara, em 1965, se consagrando também como artilheiro. Na década de 60, era comum os times disputarem torneios amistosos. O Vasco, de Célio, faturou o Pentagonal do México (1963), o Torneio de Santiago (1963), Torneio Cidade de Belém (1964) e o Torneio Cinquentenário da Federação Pernambucana (1965).

Mas a maior lembrança é o Torneio IV Centenário do Rio de Janeiro (1965), com as presenças da seleção da Alemanha Oriental e do Atlético de Madrid, além de Vasco e Flamengo. Na final contra o rival carioca, o atacante marcou dois gols na goleada de 4 a 1 (veja abaixo a ficha do jogo e os melhores momentos eternizados no Canal 100):

FICHA DO JOGO
Vasco 4 x 1 Flamengo
Data: 21/janeiro/1965
Local: Maracanã (Rio de Janeiro)
Árbitro: Armando Marques (RJ)
Gols: Célio 39'/1ºT (VAS), Célio 42'/1ºT (VAS), Paulo Henrique 44'/1ºT (FLA), Saulzinho 24'/2ºT (VAS) e Saulzinho 33'/2ºT (VAS)
Vasco: Ita, Joel (Massinha), Brito, Fontana (Pereira), Barbosinha, Maranhão, Lorico, Mário (Joãozinho), Célio, Saulzinho e Zezinho. Técnico: Zezé Moreira
Flamengo: Marcial, Murilo, Ditão, Ananias, Paulo Henrique, Carlinhos, Fefeu, Carlos Alberto, Amauri, Airton (Berico) e Fraga (Evaristo). Técnico: Flávio Costa

Célio se despediu do Vasco com uma marca honrosa: foi eleito o melhor jogador do time em três das quatro temporadas que fez: 1963, 1965 e 1966. Formou ao lado de Saulzinho a famosa "dupla barbante" no ataque do time de São Januário.

Na lista dos 15 maiores artilheiros do Vasco (veja abaixo), repleta de jogadores do famoso Expresso da Vitória (além do trio Roberto, Romário e Edmundo), Célio tem algo a se orgulhar: foi o jogador, dentre todos, que tem a melhor média de gols por temporada - fez 115 em apenas quatro anos de clube.

Os maiores artilheiros do Vasco

JOGADOR                           GOLS          PERÍODO

1 Roberto Dinamite                 702            1971-80, 1980-89, 1990, 1992-93

2 Romário                               326            1985-88, 2000-02, 2005-08

3 Ademir Menezes                 301             1942-45, 1948-56

4 Piga                                     250             1953-61

5 Ipojucan                              225              1944-1954

5 Russinho                            225               1924-34

7 Vavá                                  191                1952-58

8 Sabará                              165                 1952-64

9 Lelé                                   147                 1943-48

10 Valdir                               144                 1992-94, 2002-04

11 Edmundo                         137                 1992, 1996-97, 1999-00, 2003-04, 2008

11 Maneca                            137                 1946-55

13 Chico                               127                 1942-54

14 Friaça                              114                  1943-49, 1951-54

15 Célio Taveira                    110                  1963-67

Gol e pênalti perdido pela Seleção

A campanha do Vasco no Torneio Rio-São Paulo fez Célio ganhar as manchetes. E ser pré-convocado por Vicente Feola para a fase preparatória da Copa da Inglaterra. A CBD teve a ideia de fazer quatro times diferentes para, só depois, selecionar os 22 da Copa. Foram 47 convocados. Na tarde de 1º de maio de 1966, um domingo, foram agendados dois amistosos: contra o Atlético-MG e contra a seleção gaúcha, ambos no Maracanã.

Bem à moda da ditadura militar que o país vivia na época, a Seleção foi dividida em quatro equipes para o "vestibular" da Copa de 1966: Verde, Azul, Branco e Grená.

Célio estava no Time Verde, justamente aquele que entrou em campo no primeiro tempo contra o Atlético-MG - no segundo, entraria o Time Azul. A formação que tinha o atacante vascaíno era a seguinte: Ubirajara, Fidélis, Ditão, Altair e Édson; Denílson e Lima; Nado, Célio, Tostão e Edu.

Logo no primeiro minuto de jogo, Célio deixou a sua marca. Mas depois veio o pecado que talvez tenha custado a vaga na Copa do Mundo. Aos 7 minutos, ele desperdiçou um pênalti, defendido pelo goleiro Hélio. Numa seleção de tanta concorrência no ataque, isso pode ter sido crucial para ele não ficar na lista dos 22 de Feola.

O Time Verde ainda marcou mais duas vezes, com gols do estreante Tostão e de Edu. O Time Azul, que entrou em seguida, fechou a goleada de 5 a 0 (veja a ficha do jogo abaixo).

FICHA DO JOGO
Brasil 5 x 0 Atlético-MG
Data: 1º de maio de 1966
Local: Maracanã (Rio de Janeiro)
Árbitro: Guálter Portela Filho (RJ)
Gols: Célio (1/1ºT), Tostão (27/1ºT), Edu (39/1ºT); Parada (2/2ºT) e Ivair (27/2ºT)
Seleção Brasileira: Ubirajara (Valdir), Fidélis (Djalma Santos), Ditão (Djalma Dias), Altair (Leônidas) e Edson (Paulo Henrique); Denílson (Dudu) e Lima; Nado (Paulo Borges), Célio (Parada), Tostão (Flávio Minuano) e Edu (Ivair); Técnico: Vicente Feola.
Atlético-MG: Hélio, Canindé (Dawson), Dari, Fred (Vânder) e Décio Teixeira; Ayrton e Buglê; Ronaldo, Roberto Mauro, Paulista e Tião; Técnico: Gradim

Um ídolo no Uruguai

Camila Taveira, a filha de Célio, que confidenciou anos atrás detalhes da história do pai, tinha razão sobre a idolatria do ex-atacante no Nacional do Uruguai. Do Vasco, ele seguiu para o time de Montevidéu. Ali foi ídolo. Um dos maiores da história do clube.

Chegou à capital uruguaia em 1967 para o lugar do argentino Luís Artime, que fora contratado pelo Palmeiras. Em pouco tempo, seus gols conquistaram a fanática torcida tricolor. Foi bicampeão uruguaio, em 1969 e 1970. Mas foi na Taça Libertadores que eternizou o seu nome no coração do Decano, como é carinhosamente tratado o Nacional.

Fez 21 "goles" pelo time uruguaio na Liberta. É até hoje recordista do clube. Um jogo, em especial, chama a atenção: a semifinal contra o rival Peñarol, em 1967, que foi posteriormente eternizada por Norberto Garrone numa das crônicas mais famosas da literatura futebolística uruguaia: El reloj de arena. O poeta descreve, com uma sensibilidade emocionante, o gol do empate em 2 a 2 marcado nos acréscimos por Célio, que valeu a vaga na decisão daquela Libertadores para o Nacional.

"Era 16 de julho do ano 17 depois do Maracanã e a Copa Libertadores esperava um finalista uruguaio. A vantagem na semi-final dava ao Nacional a classificação com um empate, mas o resultado parcial – que não se congraçava com os méritos do jogo – favorecia o Peñarol.
(...)
Parecia que a vida ia embora num suspiro final. Os últimos grãos de areia começavam a cair encerrando o ciclo da ampulheta quando Urruzmendi cobrou um lateral do lado da tribuna América, em frente ao túnel pelo qual entra em campo o time visitante.
(...)
Mas o desenlace previsível se perdeu quando o Marquês inclinou levemente o corpo sobre seus joelhos e, em vez de disparar a gol, decidiu mudar o rumo da bola no exato momento que caía o último grão de areia do relógio.
(...)
Ao ser girada por completo essa artesanal máquina de precisão em vidro e areia, somente dois cúmplices privilegiados despertaram um suspiro antes desta breve letargia. Em primeiro lugar, a bola, impulsionada agora em sentido contrário para superar talvez como escarmento do destino da humanidade de Lezcano; e em segundo lugar Celio Taveira, que aproveitou esta circunstância para ganhar a posição, elevando elegantemente sua figura com as mãos aos costados de seu corpo apontando para o céu como se dissesse não fui eu, para encaixar em seguida um implacável cabeceio que voltou a fazer correr o tempo nos relógios. Quando os demais protagonistas e espectadores reagiram, a bola impulsionada pelo golpe cruzado de cabeça do brasileiro formou uma parábola que terminou nas redes do gol defendido por Errea sentenciando a igualdade.
(...)
Quem esteve ali nesta tarde jura que pode indicar na área junto à arquibancada Colombes a trajetória exata percorrida pela bola, como se tivesse ficado flutuando no ar por dois pontos imaginários que indicam o lugar do primeiro cabeceio, o que fez parar o tempo por um instante, e o lugar do segundo, o que voltou a fazê-lo andar. Perguntem às testemunhas daquela jogada quem foi o Marquês Ruben Sosa e vejam se na resposta sobre as virtudes e habilidades do talentoso jogador não figura a menção de que foi: aquele da agachadinha para o passe de cabeça para o gol de Celio. E perguntem também quem é Celio e vejam se mais além das referências como goleador implacável não é inevitável a menção de que foi: quem fez o gol que eliminou o Peñarol depois do passe do Marquês Ruben Sosa.
(...)
Porque não foi somente um gol, este foi O GOL, esse que fica entesourado na mente e no coração do torcedor, no espaço reservado para a mais especial das lembranças".
(Trecho da crônica El Reloj da Arena, de Norberto Garrone; tradução: Manoel Castanho)

O Nacional não ganhou aquela Libertadores. Na decisão, perdeu para o Racing Club, da Argentina, depois de três jogos - 0 a 0 (Buenos Aires), 0 a 0 (Montevidéu) e 1 a 2 (Santiago, Chile). O vice-campeonato poderia ser uma amargura para a sua apaixonada torcida não fosse a inesquecível semifinal contra o Peñarol e o gol de Célio no "último grão da ampulheta".

Implacável diante dos goleiros, Célio perdeu a luta para um inimigo invisível. Numa madrugada fria, foi vencido pela Covid-19. Morria na Paraíba que amava e que escolheu para viver nos últimos 40 anos da vida. Fechava-se o ciclo de um mito, um daqueles jogadores com quem a história poderia ter sido mais generosa. Deixa um grande legado, que infelizmente é mais reconhecido lá fora do que pelo seu povo.

Fonte: ge
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