Em 2018, o Vasco conseguiu a maior venda de um jogador em sua história: recebeu R$ 57 milhões pelo atacante Paulinho, hoje no Bayer Leverkusen. O dinheiro, porém, não serviu para reforçar o time – foi utilizado integralmente para pagar dívidas do clube.
A medida pode ter sido impopular para parte da torcida, mas simboliza bem o que a diretoria quer apresentar nesta terça-feira, em encontro com investidores para mostrar os resultados financeiros do clube de janeiro a outubro.
- Todos os recursos do Paulinho foram usados exclusivamente para quitar dívida. É o maior símbolo de como a gente está engajado em resolver a parte financeira do clube. Não usamos para reforçar o time. É uma visão de longo prazo, não imediatista. Não é o que vai dar ibope, mas é aquilo que tem que ser feito – disse Adriano Mendes, vice-presidente de Controladoria do Vasco.
Adriano é apontado por membros da diretoria como o CEO do Vasco. É dele que partem as principais decisões financeiras do clube. Oriundo do BNDES, tem a missão de reestruturar a dívida. Neste primeiro ano, estima que tenha reduzido o débito cruz-maltino em R$ 80 milhões.
Nesta entrevista, Adriano detalhe o planejamento financeiro do Vasco. Ele acredita que o clube levará entre cinco e seis anos para voltar à condição de investir fortemente no futebol, com a dívida controlada. O exemplo, aliás, está no rival Flamengo.
Confira a entrevista:
GloboEsporte.com: O que vocês buscam com este evento para investidores?
Adriano Mendes: A ideia do evento é aproximar o Vasco do mercado financeiro, dar divulgação. Vamos mostrar um desempenho econômico condizente com o clube, mas é um início para resolver em cinco ou seis anos. Foi um ano quase que exclusivamente para redução de dívida. É uma mensagem poderosa do que estamos buscando.
Vamos mostrar realizações que fizemos em termos de estruturação do clube. Modernização, profissionalização. Mostrar um início de processo de fortalecimento da estrutura do Vasco, de uma regularização financeira para um clube do tamanho que ele é. Para ser um retomada sustentável.
Como está a situação financeira do Vasco hoje?
A situação ainda é delicada. A gente tem um problema sério de dívidas concentradas no curto prazo, que já estão vencidas. A gente vem negociando, pagando. Por mais que gere caixa, é insuficiente para cobrir as dívidas que tem lá de trás. Tem que ter uma política de equacionamento disso. Isso vai se resolver ao longo do tempo.
O que esperar para 2019?
É um ano marcado por dificuldades. Bem melhor do que foi 2018. Ainda um cenário de dificuldades financeiras, mas já de trajetória de recuperação para em dois anos o clube estar numa realidade diferente nos âmbitos financeiro e estrutural.
Quais são as principais dívidas do Vasco?
As principais são cíveis e trabalhistas. Criadas por contratos rompidos, demissões, processos de toda natureza e muito jogador de futebol. Alguns empréstimos que não foram honrados. É sobre essa massa que a gente se debruçou mais apesar de não ser o que mais pagou. Ela é de fato a mais sensível, é a que penhora os recursos do clube, por ser uma coisa pulverizada.
Credores foram maltratados ao longo do tempo. Fizeram, por exemplo, três acordos e não se cumpriu nenhum, então já há uma predisposição para não negociar.
Como vocês fizeram para colocar em prática essa redução de dívida?
Maior segredo nosso foi modernizar o clube. Sistema de gestão, políticas de controle de gastos. O cara só gasta se utilizar o sistema integrado, o que cria uma sistemática para o cara fundamentar aquilo e passar por processo de aprovação. Se você aperta, aparece o resultado.
No orçamento para 2019, estão previstos R$ 30 milhões em vendas de jogadores. Como fazer para que o Vasco não dependa mais deste tipo de receita?
É natural que ocorra. O mercado está muito inflacionado, as vendas para fora dão resultado expressivo. Nota-se todos os clubes vendendo. O Vasco não tem esse histórico, passou a ter recentemente. A gente espera que vá ocorrer ao longo do tempo.
Desses R$ 30 milhões um terço é derivado do recebimento da parte final do Douglas. Venda mesmo é de R$ 20 milhões. É um valor muito pequeno ainda mais se olhar para outros clubes.
O Vasco ainda não conseguiu captar todos os R$ 38 milhões do empréstimo – faltam cerca de R$ 19 milhões. O que falta?
É muito difícil essa discussão, a situação que nós estávamos, ainda mais com toda essa turbulência política. Ainda está em tratativa final. O que cabe é compreender o outro lado, a gente entende todo o cuidado do outro lado do mercado. Não está fechado, está bem adiantado, isso é um motivo pelo qual atrasou os salários. Em fase final de negociação, acredito na compreensão dos dois lados. Brevemente a gente vai resolver.
Há projeção de mais empréstimos para 2019?
Ainda sim, mas não chega a metade desse que está agora. Se vender outro jogador, há uma forte possibilidade de não ter empréstimo. Se tiver, é bem menor. Se tivesse venda por metade do Paulinho, por exemplo, não teria empréstimo.
Recebemos R$ 15 milhões do mecanismo de solidariedade do Coutinho, R$ 57 milhões do Paulinho, e mesmo assim pegamos empréstimo de R$ 38 milhões. Se tivermos metade desse dinheiro, se pegarmos empréstimo, será de até R$ 20 milhoes.
Você falou que o Vasco vai levar de cinco a seis anos para se reestruturar. O que esperar do clube após este período?
Dá para esperar um Vasco que saiu de uma dívida de algo próximo de R$ 600 milhões para estar com um terço disso equacionado. Um Vasco com investimentos altos no futebol, com estrutura moderna e fluxo de caixa folgado.
A gente olha o Flamengo nesse ponto, que tem o porte do Vasco, é o melhor espelho para onde vamos chegar. Não tenho a menor dúvida que em 2022 o Vasco será assim se a atual trajetória se mantiver.
O Flamengo, apesar de rival, é um exemplo?
No primeiro ano dessa gestão do Flamengo o clube ficou em 16º, e a Portuguesa caiu. Não tem como plantar algo bom sem colher e ter paciência. Claro que tem que ter potencial não explorado. Você não está onde você é. Está em um lugar muito abaixo do que de fato pode estar. Fazendo isso, reage rápido. Sendo assim, você tendo uma direção, austeridade, controle, sabendo sofrer dois, três anos, você alcança. O histórico deles serve para olhar muito isso.
O orçamento de contratações para 2019 é de apenas R$ 4 milhões. Como montar um time forte?
Você fica numa situação de muita limitação quanto a contratação, mas não impedimento. Futebol ensina muitas coisas que dinheiro não resolve nada. Clubes com dinheiro demais não chegam a lugar nenhum. Nossa folha salarial caiu, e o time melhorou. Teve contratações de baixíssimo custo, como foi o Castan, que deram resultado. Isso demonstra como o futebol é ligado à pessoa, ao ambiente, é uma coisa que existe um valor intangível muito grande.
Evidente que a gente tem menos oportunidade de errar, mas é possível que a gente, mesmo com limitação de investimento, consiga dar bons tiros e certos. Jogadores de baixíssimo custo são cobiçados.
O ideal é aliar essa capacidade de selecionar melhor com uma capacidade financeira que permita brigar pelo topo. A gente quer não ter nenhum voo de galinha, em que consegue um resultado, mas não o sustenta. Isso vem com tempo e boa gestão.
O Flamengo, neste caso, não é um exemplo. É um clube que gasta muito e não tem o retorno esperado.
O importante é ter um time forte que vai dar certeza de postular sempre de forma inequívoca os títulos que disputar. Vitória ou não é sempre por detalhe, uma coisa que pode ocorrer. O papel que um clube bem administrado tem que ter é garantir um time forte.
No próximo ano, o pagamento das cotas de televisão será diferente. Como o Vasco se planejou para isso?
O valor é dividido em três parcelas: 40% igualitário, 30% de audiência e 30% de acordo com a colocação no Brasileiro. A audiência só será paga a partir de maio, em oito parcelas, em vez das 12 de antigamente. Isso criou um problema. Os outros 30%, de premiação, você só vai conhecer no final do campeonato.
Para amenizar isso, a parte igualitária, que seria paga em 12 parcelas, terá 75% do valor pagos no primeiro semestre.
A preparação tem que começar em dois anos, mas isso não foi feito. Fizemos alguns cálculos e tentamos trabalhar algo que amenize isso nos primeiros três meses do ano. Solução, mesmo, não tem. Mas temos alguns planos para conseguir equacionar.
No orçamento, está estipulado o valor de R$ 120 milhões de cotas de televisão. Isso é um teto do que o Vasco pode receber ou algo certo?
É variável. Depende da quantidade de partidas em 2019, do percentual de vendas do pay-per-view, colocação do campeonato. O que fizemos foi preparar uma planilha de muitos cenários que podem ocorrer.
Estabelecemos premissas conservadoras – este número é relativamente conservador. Estimamos, por exemplo, o Vasco em 10º lugar no Brasileirão. A partir daí, a cada posição que sobe, aumenta muito quanto você recebe.