"O ar que se respira agora inspira novos tempos". Assim começa a música escrita por Jorge Aragão e que foi popularizada nacionalmente pelo Grupo Revelação. 'Novos tempos' (clique e ouça) traduz o que o Vasco vive após meses conturbados fora de campo, e um nome é o grande responsável pelo momento do Cruz-Maltino estar dando 'samba': Zé Ricardo.
No dia 25 de de agosto ele chegou ao clube. Após deixar o Flamengo sob críticas, o treinador recebeu uma nova oportunidade de trabalhar no futebol carioca. Naquele momento, o Vasco era 14º colocado do Brasileiro, com problemas políticos, brigas fora de campo que prejudicaram o clube com as perdas de mando e um elenco rachado por situações de relacionamento de alguns jogadores com Milton Mendes.
"Quero dizer que vamos viver 24 horas por dia o Vasco da Gama para que nossos objetivos sejam alcançados. Estou aqui porque acredito em meu potencial, em minha comissão técnica. Vamos fazer, sem dúvida alguma, o Vasco trilhar os caminhos das vitórias", disse o comandante em sua apresentação.
Palavras que foram traduzidas em fatos. Zé não só fez os jogadores crescerem de produção, como Wellington, Madson, Breno, Evander, Henrique e Paulinho, como ele mesmo se aprimorou. Estudioso e profundo conhecedor, organizou e evoluiu um Vasco que saiu da 14ª colocação do Brasileiro 2017 e foi parar em sétimo, se classificando à Libertadores após o clube não frequentar a competição desde 2012.
Sem vaidade, uniu, abraçou e se tornou "pai" para muitos garotos, além de aliviar e deixar os mais experientes com a única missão que eles têm quando vestem a camisa do Gigante da Colina: jogar futebol.
CRISE FINANCEIRA, DEFINIÇÃO POLÍTICA E UM 2018 AINDA MELHOR EM CAMPO
O Vasco chegou a ficar devendo dois meses de folha salarial, férias e 13º, além de cinco meses de direitos de imagem para alguns jogadores. Perdeu Anderson Martins, Nenê, Mateus Vital e Luis Fabiano, quatro nomes com status de titular. Em paralelo, o caos político que foi definido com Alexandre Campello como presidente do clube. No meio disso tudo, Zé, com sua comissão técnica, criou um centro de inteligência e participou ativamente de todas as contratações do clube (11), inclusive sendo decisivo nelas fazendo ligações para os atletas. Exemplos de Rildo, Thiago Galhardo e Giovanni Augusto. Os dois primeiros, inclusive, surpreendendo neste começo de temporada. Fora o acerto em cheio no volante Desábato.
De lá para cá, o novo mandatário pediu um voto de confiança a Zé. Pagou duas folhas salariais, encaminhou um acerto com o CT de Vargem Grande por três anos, algo considerado essencial pelo treinador, e dentro de campo a resposta está sendo dada.
Treinos abertos à imprensa se tornaram frequentes. O contato e a recuperação da confiança da torcida são essenciais. Um exemplo é que Zé Ricardo entrou e saiu ovacionado da noite da última quarta-feira (14), na vitória por 4 a 0 sobre o Jorge Wilstermann. Algo nada comum se tratando de técnico e Vasco.
Apesar da eliminação no Carioca, Zé, que se fosse um time no Brasileiro de 2017 seria o clube com mais empates (15, oito pelo Flamengo e sete pelo Vasco), evoluiu. Competente na defesa, competitivo e organizado sempre foi. Mas a veia ofensiva se tornou mais visível. Na última partida, foram 67% de posse de bola, 22 finalizações contra 5 do Jorge Wilstermann, 410 passes certos - número elevadíssimo - diante de 169 do adversário. Além dos gols já citados, os números decodificam um Cruz-Maltino maduro e progredindo a cada jogo.
"Ninguém entra em campo para empatar. Assim eu penso. Entramos para fazer um bom jogo e quanto mais próximo a gente tiver perto da nossa forma de jogar, eu acho que a gente está mais próximo da vitória. Não jogamos futebol porque é bonito. A gente faz o jogo ficar bonito. Queremos jogar bem e vencer. Já ganhei jogando mal, talvez não tenha me dado tanto prazer, mas a busca é essa. Sempre crescendo. Qualquer experiência passada é uma condicionante para melhorar. Os construtores do nosso jogo são os atletas", disse o treinador.
O clima é mais leve. Dentro do grupo e no Vasco como um todo. Vitórias tranquilizam, mas o trabalho de relacionamento pessoal de um professor de 46 anos, há mais de 20 anos no ofício, é muito além do campo e bola.
É óbvio que é começo de temporada. Nada garante que o Vasco irá triunfar em alguma competição. Mas Zé Ricardo vem fazendo o possível com o que tem. E muito bem. Inteligente que é, talvez já tenha ouvido a música na voz de Xande de Pilares e o trecho em que se canta "Deus quem me mandou seguir seus passos". Os passos do Vasco. E a cada um dado, como vem sendo nesta Libertadores, ele e a torcida cruz-maltina vão 'brincando de amor'. Dirigentes passam, técnicos, jogadores... mas eles são capazes de marcar seus nomes na história do clube.
Aos poucos, Zé vem escrevendo a sua. São 24 jogos, 13 vitórias, oito empates e apenas quatro derrotas em um clube que quase viu o "céu desabar". E o mais importante: com a humildade de sempre e fazendo cada torcedor lembrar e, quem sabe até cantar quando vê o Vasco entrar em campo atualmente, que 'esse é o nosso amor'.