No jogo em que tornou suas chances de acesso quase que irrisórias, o Vasco voltou a atuar pessimamente. O roteiro, aliás, foi desolador, bastante cruel com uma torcida que tanto sofre há duas décadas. Pênalti perdido por Cano aos 42 minutos do segundo tempo, e gol do Guarani aos 43. A Série A ficou muito longe de São Januário com a 12ª derrota do time na Série B. É isso mesmo, o Vasco, outrora apontado como favoritaço, perdeu 12 vezes na Segunda Divisão.
Cano, aliás, conquistou o status de ídolo rapidamente em São Januário por ter iniciado sua trajetória como uma Máquina de Gols, mas passou a perdê-los com frequência na atual temporada. Pior que desperdiçar chances é a sina de pênaltis perdidos em momentos cruciais no ano de 2021.
Em fevereiro, perdeu aos 36 minutos do segundo tempo contra o Internacional na antepenúltima rodada do Brasileiro da Série A num momento em que o adversário vencia por 1 a 0 - o duelo terminou em 2 a 0 para os gaúchos. Sete meses depois, perdeu contra o Brasil de Pelotas, lanterna da Série B, quando o jogo estava em 0 a 0 e terminou em 1 a 1. E perdeu agora contra o Guarani.
Crucificá-lo é errado. Cano ganhou muitos pontos, marcou gols em todos os clássicos, mostrou empatia com as crianças e levantou bandeiras importantes, entretanto falhou em momentos nos quais não poderia.
Erros que resumem 2021: fragilidade e pouca criatividade
Contra o Guarani, o Vasco repetiu um problema que o caracterizou na atual temporada: o fato de não saber o que fazer com a bola. Teve mais posse durante os 90 minutos (64%), mas em nenhum momento machucou o adversário. Como em todo ano, mostrou ter imensa dificuldade para criar.
Por mais que Fernando Diniz tenha conseguido confundir os rivais em seus primeiros jogos com uma estratégia de povoar um dos lados do campo e promover uma frenética troca de posições de seus jogadores ofensivos, isso não surtiu efeito nos últimos três jogos.
A compactação no setor de ataque deu certo num primeiro momento do trabalho do treinador, com boa marcação no campo adversário e aproximação para trocar passes e invadir a área. Diante do Bugre, porém, não funcionou. No primeiro tempo, empilhou jogadores no lado esquerdo, mas só conseguiu finalizar com perigo perto dos acréscimos.
Foi por ali que nasceu a melhor jogada do Vasco na partida, com participação de Bruno Gomes, Morato, Marquinhos Gabriel e Riquelme, que quase marcou um belo gol. Minutos depois, Andrey esteve perto de marcar contando com desvio, porém foi muito pouco para um candidato ao acesso. Não que o Guarani tenha sido melhor nos 45 minutos iniciais, mas inegavelmente buscou mais o ataque.
Fragilidade também é uma marca do "Vasco 2021". É impressionante como sofre para fazer gols - foram apenas 69 em 54 partidas (média de 1,27 por jogo). E também é impactante a facilidade para sofrer.
Depois de Cano perder um pênalti que obviamente abalou os companheiros, pois caso convertesse o Vasco provavelmente garantiria a vitória, o gol do Guarani veio em erro de um time que está fragilizado nos aspectos físico e tático.
Riquelme já estava exausto quando teve de decidir se daria um bote ou não em Bruno Sávio. Errou na tomada de decisão, no tempo de bola e na tentativa de afastá-la. Pablo aproveitou a falha e carregou até a risca da área para matar o jogo.
Como a derrota não está somente na conta de Cano, a fragilidade também não é exclusividade de Riquelme, que vinha de ótimas partidas e tinha atuação correta até errar por várias vezes. O Vasco é frágil porque geralmente não aguenta os segundos tempos dos jogos. Fernando Diniz, um dos menos culpados pela vexatória temporada que o clube realiza, admitiu em algumas coletivas o quanto o time oscila de uma etapa para outra.
O segundo gol do CSA na última sexta-feira é outro demonstrativo de fragilidade. O volante Giva Santos saiu de seu campo, sofreu duas cargas, de João Pedro e Marquinhos Gabriel, mas, na base da raça, conseguiu dar a assistência para Dellatorre sentado no gramado. E deu o passe com Marquinhos, Ricardo Graça e Leandro Castan olhando para a bola.
Diniz lamentou também situações incomuns ocorridas ao Vasco recentemente, como o jogo com o Sampaio Corrêa, em que Nenê perdeu pênalti e o time tinha um a mais desde o primeiro tempo. Vale lembrar que o treinador sofreu empates nos acréscimos em seus dois primeiros jogos.
- É muito anormal algumas coisas que aconteceram aqui, de maneira negativa. O pênalti do CRB (na verdade, Diniz se referia ao perdido por Nenê no fim da derrota para o Sampaio Corrêa), o número de defesas do goleiro naquele dia, hoje praticamente com a vitória na mão, jogamos melhor, controlamos boa parte do jogo. A gente, além de perder a chance da vitória com o pênalti, tomamos um gol de contra-ataque. Temos que acreditar até o final porque só assim temos a chance de reverter esse quadro - disse o técnico.
A verdade é que anormal foi a temporada do Vasco até então. Anormal para suas tradições, principalmente se colocado em uma divisão na qual a maioria esmagadora dos adversários não tem o seu peso. Eliminado do Carioca na primeira fase, eliminado na Copa do Brasil sem oferecer resistência ao São Paulo e agora com suas chances de voltar à elite do futebol brasileiro praticamente eliminadas.
Na coletiva concedida na quarta-feira para explicar acordo que reduzirá a dívida do clube, Jorge Salgado tratou a possibilidade de acesso da seguinte forma.
- Se não for agora, vai ser no ano que vem - disse Salgado, emendando:
- A gente trabalha com perspectiva de melhorar o clube. Acho que temos condições de subir para a primeira divisão, sim. A depender de resultados, podemos até perder mais um jogo e mesmo assim subir. É difícil, mas ainda temos chances.
Ao explicar o fracasso, alegou falta de tempo para reformular o time que fora rebaixado e iniciar a montagem de outro.
- O futebol está devendo. A gente tinha uma projeção completamente diferente daquela que a gente vê hoje. Nem por isso, faltou trabalho e planejamento. Tivemos dificuldade para montar o time no começo da gestão. Saímos de 15 jogadores e recebemos outros 12 em poucos meses, o que não é fácil. Outros times já estavam com planejamento para a Série B pronto.
Em que pese a mudança de gestão tenha se dado de forma atabalhoada por conta da interminável turbulência política que ronda São Januário, o Vasco não pode, na voz de seu presidente, afirmar que "outros times já tinham planejamento para a Série B". O Vasco era um dos clubes que não podia negociar o projeto do acesso. O correto seria estar ao lado de Coritiba e Botafogo já pensando na montagem do elenco que disputará o Brasileirão 2022.
O Vasco não podia deixar para descobrir somente no fim do ano o seu lateral-esquerdo titular. Não podia se dar ao luxo de não ter uma convicção sobre o dono da camisa 1 até as rodadas derradeiras. E, contrariando o que planejara o executivo de futebol Alexandre Pássaro lá em fevereiro, não deveria jamais ter um elenco majoritariamente jovem. Dos experientes, só Leandro Castan, Cano e - na reta final - Nenê deram conta.
O time que perdeu para o Guarani teve os pratas da casa Lucão, Riquelme, Ricardo Graça, Bruno Gomes e Andrey como titulares, porém o time também dependeu de MT, Juninho, Galarza, Miranda, Figueiredo e outros durante a competição.
- Hoje temos 51% do nosso elenco formado na base, mais da metade. Quanto a cinco ou seis jogadores que vão para os jogos, isso a gente não pode interferir. O que entendo é que todo time equilibrado em todas as suas facetas também tem de ser aplicado na idade. Lógico que não vamos montar times. Se a gente pegar o Grêmio campeão da Libertadores, ele tinha exatamente 33%, 33% e 33% de tipos de idade - disse Pássaro em 26 de fevereiro, um dia após o rebaixamento à Série B.
O melancólico plano agora, ao que parece, é juntar os cacos e trabalhar novamente com orçamento apertado para, pela primeira vez em sua história, disputar a Série B de forma consecutiva. Mas, enquanto houver 1% de chance matemática, o vascaíno tem de acreditar.