Éverton Costa anunciou o fim da carreira como jogador aos 28 anos. Ele desenvolveu arritmia cardíaca após contrair Doença de Chagas e a prática do esporte de alto rendimento virou uma ameaça à vida. Foram dez anos no futebol e times do nível de Grêmio, Internacional, Santos e Vasco. Foi justamente no futebol carioca, em 16 de abril de 2014, que ele sofreu um mal súbito durante um jogo contra o Resende, pela Copa do Brasil, e precisou ser reanimado na ambulância de São Januário.
Hoje faz cinco anos que Éverton Costa morreu e ressuscitou.
Eu comemoro essa data. Comemoro porque Deus me deu mais uma chance, então para mim é uma data muito especial. Eu comemoro bastante por ainda estar vivo, é uma segunda vida".
Aos 33 anos, Éverton quer voltar ao futebol em alguma função fora de campo. Ficou sem trabalhar entre 2015 e 2017 por motivos de saúde, mas se dedicou a cursos, como scout, análise de desempenho, gestão esportiva, categorias de base, treinador, coaching e mentoring e competência emocional, além de um estágio no setor de análise de desempenho do Flamengo e um congresso de ciências do futebol no Palmeiras. Ufa!
Ainda trabalhou um ano como observador da base do Coritiba no programa de reabilitação profissional do INSS.
Deixou o clube paranaense em setembro de 2018 e ainda não arrumou outro trabalho depois de seis meses. Na semana passada, postou nas redes sociais o próprio currículo (com telefone, endereço e experiências) para tentar acelerar o processo e sair dessa dificuldade.
Faz cinco anos, também, que Costa não sabe muito bem para onde ir.
"Eu não jogo mais, tenho que abrir o leque para conhecer novas áreas. Fiz cursos, fui a palestras, estudei e agora espero uma oportunidade. Estou tentando, já desde setembro eu não trabalho. Às vezes, eu vejo uma coisa passando na TV e começo a relembrar tudo que eu poderia estar fazendo ainda, começo a refletir e me dá vontade de chorar. Eu choro, não seguro, choro relembrando algumas coisas. Mas o importante é que eu estou vivo, acompanhando minha filha diariamente, é o que importa."
Currículo no Facebook: "Ele ficou um pouco constrangido"
Éverton Costa postou seu currículo nas redes sociais na terça-feira da semana passada. Ele escreveu que estava à procura de oportunidades de trabalho, preferencialmente no futebol. A ideia de mandar o recado aos seguidores foi de Neiva Amaral, esposa do jogador há 14 anos e mãe de sua filha, Sofie.
"Usa-se redes sociais para tantas coisas. Colocar o currículo num lugar onde há muitas pessoas do meio, não vejo como vergonha, como negativo. Ele ficou um pouco constrangido, sim, mas acredito que alguma porta vai se abrir. Ele não está pedindo esmola, quer apenas uma oportunidade."
O não eu já tenho, então vamos para o sim. Se não tentar eu não vou conseguir".
Esposa é 12 anos mais velha do que Éverton; eles têm uma filha de 7 anos chamada SofieImagem: Reprodução/Facebook
Éverton já recebeu várias mensagens e chamadas no número de telefone que postou nas redes sociais. Muitas de fãs que queriam passar votos de força, e algumas de possíveis empregadores.
"Talvez surja trabalho, viu? Eu acho, se Deus quiser, que vai aparecer algo. Era o objetivo."
O ex-atleta diz que perdeu muitos amigos em relação à época em que jogava profissionalmente: "Eu me decepcionei com muita gente. Aqueles que você achava que eram seus amigos mesmo e na hora da verdade, nada, nem um abraço."
Desfibrilador no coração "é para o resto da vida"
O Vasco venceu o Resende por 1 a 0 no dia em que Éverton Costa desmaiou em campo. Ele começou como titular e saiu aos seis minutos do segundo tempo depois de receber uma pancada na cabeça. Alguns minutos depois, Douglas fez o gol da vitória e da classificação em cobrança de pênalti, mas mal foi possível comemorar. Éverton passou mal no banco e desmaiou. Foi levado de ambulância para um hospital da região.
E o que aconteceu lá dentro só virou público tempos depois.
Eu convulsionei, tive uma morte súbita e fui reanimado, fui ressuscitado na ambulância".
O jogador teve uma arritmia cardíaca causada pela inflamação do músculo do coração. Ele não sabia, mas era portador de Doença de Chagas, um problema crônico (que pode durar a vida inteira) causado pela picada de um mosquito (o barbeiro) ou pela ingestão de alimentos contaminados com as fezes do parasita. Por algum tempo, ele manteve a fé de voltar a jogar. Treinou no Vasco e no Coritiba, fez novos exames, e só em fevereiro de 2015 oficializou o adeus ao futebol.
Neste momento o jogador tinha implantado um desfibrilador no coração. É um aparelho do tamanho de um relógio de pulso colocado abaixo da clavícula. Possui eletrodos que acionam o coração assim que é detectada alguma alteração no batimento cardíaco. Ele chegou a pensar que era possível jogar com esse aparelho:
"O médico colocou prós e contras, o que poderia acontecer, os riscos, e eu acabei optando por não voltar a jogar mesmo, porque se Deus me deu uma segunda chance, quem sou eu para passar por cima, tentar voltar, acontecer algo pior e eu não poder ver o futuro da minha filha?"
É necessário fazer a revisão do desfibrilador de seis em seis meses para saber como estão os batimentos. A bateria precisa ser trocada de cinco em cinco anos, dependendo se ele for acionado. Se for acionado, come a bateria. "Isso é para o resto da minha vida, não tem como eu me desfazer dele."
As consequências jurídicas do caso: 5 audiências
Jorge Machado, empresário de Éverton Costa na época, acusou o Santos de ter omitido para o jogador a informação que ele tinha Doença de Chagas ao Vasco. Segundo o agente, os médicos do clube paulista só comunicaram aos cariocas que tinham diagnóstico após o desmaio do atacante em campo.
O Santos rebateu a versão, disse que os exames não acusaram nenhum problema ou restrição, apenas uma alteração no exame de sangue que deveria ser refeito em seis meses. O atacante ficou só quatro meses no clube.
Correm no Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (Rio Grande do Sul) ações contra Vasco e Santos. Há novas audiências marcadas para junho e dezembro.
"Eu não vou falar muito, a Deus pertence. Eu acredito que vai dar tudo certo e vou ganhar a causa. Todo mundo me pergunta, mas não entro em detalhes para não me prejudicar depois, prefiro nem comentar. A gente vai para a quinta audiência, já ouviram testemunhas e é isso aí. É o que eu posso falar no momento."
A impressão de Éverton e familiares após conversas com médicos é que o diagnóstico antecipado da Doença de Chagas poderia ter acelerado o tratamento, evitado o mal súbito de 2014 e aumentado as chances de uma vida normal, inclusive no futebol, com a estabilização do problema.
Muay thai, por incentivo da esposa, ajuda na saúde
Neiva é treinadora e proprietária de uma academia de muay thai na cidade de Charqueadas, no Rio Grande do Sul.
"Antes de conhecer o Éverton eu trabalhava em banco, não tinha muito interesse por esporte. Conheci o muay thai em outubro de 2014. Quando o Éverton teve que parar de jogar pelo episódio da morte súbita, isso me deixou muito deprimida. Me veio sobrepeso e eu tive que fazer atividade física. Uma amiga indicou o muay thai, eu fiz e me apaixonei. Eu tinha 40 anos, era tarde para ter uma carreira de lutadora, então me interessei em ensinar. Foi o que me salvou da depressão", explica.
Ela já levou Éverton para treinamentos mais leves na academia. É o que ele pode fazer: atividade física moderada e nem pensar em jogar futebol: "Devagarinho, bem leve". A esposa cobra mais presença: "Arte marcial te dá disciplina, concentração, ajuda a te tirar do fundo do poço e da depressão. Principalmente no momento em que ele está vivendo desde que morreu e ressuscitou em campo."
Éverton Costa e Neiva inverteram rotina nos últimos tempos. Antes, era ele quem trabalhava fora e ela cuidava da casa. Hoje, a esposa fica até dez horas por dia na academia e o marido é responsável pelos afazeres domésticos, como levar e buscar Sofie na escola. Nos intervalos, vê partidas, comentários e se atualiza sobre futebol.
Duas finais de Libertadores. E o futuro?
Éverton Costa começou em uma escolinha de São Paulo, mas teve a primeira chance séria nas categorias de base do antigo Adap Galo Maringá, do Paraná. "Eu recebia R$ 40 e podia gastar R$ 20, os outros R$ 20 eu tinha que gastar dentro da cantina, era obrigado. Isso foi em 1999. Toda noite eu ia no telefone, ligava para minha mãe e dizia que eu queria ir embora. Ela falava para eu ficar e eu fiquei."
Ficou e foi captado pela base do Grêmio. Lá, foi do alojamento sob as arquibancadas do Olímpico até a profissionalização pelas mãos de Mano Menezes.
Costa jogou 20 minutos na final da Libertadores de 2007, contra o Boca Juniors. Depois do time de Porto Alegre, rodou por Paulista de Jundiaí, FFK (Noruega) e Caxias até chegar ao Internacional. Jogou outra final de Libertadores, em 2010, por 37 minutos. É o único com esse feito pela dupla Gre-Nal. Ainda defendeu Bahia, Coritiba, Santos e Vasco até parar: "Só tenho a agradecer a Deus, ele me proporcionou momentos bons. Momentos ruins que tive também, mas eu só tento lembrar as coisas positivas."
E quais são as coisas positivas?
"Estar junto da minha família, cara. Não tem explicação. Eu posso acompanhar o crescimento da minha filha, estar em volta das pessoas que realmente estão do meu lado. Pela dificuldade e por tudo o que passei em momento algum elas me deixaram de lado, sempre me apoiaram e deram força. É a lição que eu levo."