A linha tênue que separa o certo do errado é vista no dia a dia de qualquer menino e menina. Se for de uma comunidade carente, então, nem se fala. O sonho de uma vida melhor esbarra na falta de perspectiva, educação e oportunidade, e leva muitos a escolherem a vida do crime, abdicando do desejo de ser médico, advogado, cantor ou jogador de futebol. Os que sobrevivem são reconhecidos como exemplos de sucesso.
Um pouco disso tudo faz parte da história de vida de dois moradores da Ladeira dos Tabajaras, favela do bairro de Copacabana, Zona Sul do Rio de Janeiro. Nascidos e criados no morro, Mauricinho e Bokinha tiveram inúmeras oportunidades de colocar uma pistola na mão e entrar para o mundo do crime, mas a esperança de dias melhores acabou batendo à porta dos amigos de infância, que sonhavam, assim como tantos outros, se tornarem jogadores de futebol.
- Nunca fui (da bandidagem) porque a minha criação e a do Mauricinho sempre foi fechada dentro de casa para nunca nos misturarmos com as coisas erradas. Tinham várias pessoas que nos chamavam para ir (crime), mas nós não íamos. Tem o ditado que "quem se mistura com os porcos, o farelo come", não é isso? Então, sempre ficamos em casa, quietinhos - revelou Bokinha.
E a esperança virou realidade a poucos metros de onde moravam, mas com uma leve diferença em relação ao plano inicial. O gramado deu lugar à areia. Através de peladas e campeonatos do bairro, a dupla foi observada e levada para fazer um teste no Vasco, em um projeto do ex-jogador de futebol de areia e hoje técnico da seleção brasileira, Júnior Negão. Deu tão certo que os dois já vestiram a amarelinha.
- Viemos para a escolinha do Júnior Negão, e ele viu que nós tínhamos potencial no futebol de areia. Depois, cheguei a ir para o campo, mas o Negão pediu para voltar, pois na areia teria mais oportunidades. O futebol de areia deu uma alegria para as pessoas da comunidade, já que foram poucos que saíram de lá para brilhar na televisão, para mostrar ao mundo de onde viemos - contou Bokinha, que já teve passagem no futebol de campo, quando atuou pelo Angra dos Reis.
Atual companheiro da dupla no Vasco, Bueno também teve uma participação decisiva na ascensão dos meninos, especialmente na de Mauricinho.
- Bueno me trouxe para fazer um teste no Vasco, e o Negão gostou. Eu não levava muito a sério o futebol de areia, mas o Negão me colocou na linha e estou até hoje no Vasco - confessou Mauricinho, artilheiro da primeira etapa do Campeonato Brasileiro, realizado no Espírito Santo, quando o Vasco foi o campeão.
Aos 23 anos, o atacante sabe que ainda tem muito a trilhar para um dia se tornar um novo Jorginho, Benjamin ou Magal, mas diz acreditar que está focado para chegar o mais próximo possível de escrever seu nome na história do esporte.
- É uma responsabilidade boa. Não sei se eu vou vencer como eles, mas vou dar continuidade no meu trabalho, dando o meu melhor sempre. Já tenho algumas convocações para a seleção, fui campeão da Copa das Nações e, agora, vou para Dubai. Tenho treinado bastante e estou preparado para dar alegria ao nosso futebol de areia para que possa voltar a ser o número um, posto que nunca deveria ter deixado. Temos os melhores jogadores. Essa nova geração não tem só eu e o Bokinha, mas o Catarino e outros que estão chegando. Tenho certeza que vamos colocar a seleção no topo de novo - afirmou Mauricinho, fã de Magal e que, nesta semana, vai participar da Copa Intercontinental com a camisa verde e amarela.
Mesmo ainda buscando um lugar ao sol, Bokinha, que carrega o apelido por causa do largo sorriso, já sabe qual o objetivo dos seus treinos diários.
- Meu sonho é ser campeão da Copa do Mundo - definiu o atleta de 22 anos e que participou da última Copa do Mundo no Taiti, vencida pela Rússia.
Um dos maiores jogadores da história do futebol de areia e companheiro no Gigante da Colina da dupla prodígio, Jorginho pede calma para que o rápido sucesso não vire uma decepcionante frustração.
- Bokinha é um dos jogadores que mais evoluíram, principalmente mentalmente. Era um cabeça dura, precisava respeitar os mais velhos, coisa que não fazia. Não gostava de ouvir. Amadureceu e foi para a Copa do Mundo. Sentiu um pouco o peso, mas vai estar preparado para outras ocasiões, caso venha a ser convocado. O Mauricinho, nós temos que dar uma adrenalina nele nos jogos, o tempo todo. Às vezes, fica voando e temos que falar com ele. Mas quando está bem, ligado, desequilibra qualquer partida. Se melhorarem cada vez mais a cabeça, comportamento e profissionalismo vão ajudar muito o futebol de areia do Brasil - disse o octocampeão mundial pela seleção brasileira e três vezes considerado o melhor jogador do mundo.
Na mesma linha do vascaíno, o atual técnico da seleção brasileira deixa claro que a dupla ainda tem muito a crescer, mas demonstra confiança no futuro dos meninos da Ladeira dos Tabajaras.
- O que falta é ter mais aquela gana, ser mais profissional. Eles não estão prontos ainda e precisam mostrar mais até chegar a ser um Jorginho. Mas, com certeza, eles têm um talento muito grande, um negócio diferente - definiu Júnior Negão, que convocou apenas Mauricinho para o torneio de Dubai.
Mauricinho e Bokinha estiveram presentes no 3º Mundialito de Clubes na última semana, que teve o Corinthians como campeão, o Flamengo como vice, e o Vasco com a terceira colocação.