A explicação para o renascimento do Vasco. A maturidade de Jorginho. Depois de muito sofrimento, finalmente, ele entendeu. Os clubes precisam do seu trabalho como técnico…
"Eu não gosto de falar sobre religiosidade, religião. Eu continuo uma pessoa que é apaixonada por Deus, pela Bíblia, por Cristo. Amo a palavra de Deus.
"Sei que não sou perfeito. Tenho muitos erros. Minha mulher conhece muito bem os meus erros, sabe das minhas dificuldades. Mas eu procuro, na medida do possível, ter um relacionamento com as pessoas, de acordo com o que Cristo teve.
"Estou longe de estar perto, ser parecido com Cristo. Mas procuro realmente viver uma vida cristã. Como atleta, você tem mais liberdade. Como treinador, existe a preocupação de muita gente, de você querer confundir as coisas. Eu deixo bem claro. Eu nunca confundi na minha vida.
"Sempre fui como atleta, um atleta de Cristo muito atuante, falei do amor de Deus. Falava para as pessoas. Mas só que, como treinador, a gente tem de ser mais ponderado em relação a isso.
"O meu amor por Deus continua o mesmo. Meu respeito. A minha fé continua a mesma. Mas eu sei que sou um líder. Tenho dentro do meu grupo atletas que professam várias religiões diferentes. E precisa haver um respeito muito grande a cada um deles. E que haja ordem dentro desse contexto todo.
"Eu como atleta tive uma vivência muito grande. E via coisas que vi alguns jogadores fazendo coisas que, com o tempo, eu vi que não eram boas.
"Como, por exemplo: você faz um gol e levanta sua camisa. E (em uma camiseta) está escrito "Deus é fiel". Por que Deus é fiel é para mim e não é fiel para o goleiro que tomou o gol?
"São situações que, com a maturidade, a gente vai aprendendo.
"Eu não vou influenciar a vida de ninguém falando muita coisa. Na realidade, a minha vida é o maior testemunho que pode ser da minha fé.
"Então procuro viver a minha vida com respeito a todas outras pessoas, a todas as outras religiões. Mas eu fui contratado como treinador. Não fui contratado como um pastor. Não como um evangelista. E eu tenho de respeitar muito bem essa situação.
"Não participo das orações, a não ser a que a gente faz antes dos jogos, como todas as equipes fazem. Respeitando o credo de cada um. Mas não participo de reuniões nos quartos de atletas. Se eles quiserem fazer, eles têm a liberdade de fazer. O Vasco da Gama tem vários atletas cristãos e eles fazem. Com toda ordem e decência que eu peço para eles. Sem atrapalhar o nosso ambiente. Saindo até um pouquinho do nosso ambiente.
"Eu creio que dá para conviver tranquilamente com essa situação.
"Mas muito importante. Respeitando a religião de cada pessoa."
O depoimento do técnico do Vasco, Jorginho, foi perfeito. Intenso. Ele mostrou o quanto amadureceu. Posturas radicais só o estavam atrapalhando como treinador e mesmo defensor da sua crenca.
Jorginho foi um dos primeiros tetracampeões mundiais a se assumir como evangélico. Fazia parte do movimento "Atletas de Cristo", movimento difundido pelo ex-piloto Alex Dias Ribeiro.
Em 2005, quando começou sua carreira como treinador, assumiu o América do Rio. O clube tem como mascote um diabinho. Ele sugeriu que se adotasse uma águia. A diretoria e os torcedores ficaram revoltados. E o técnico ficou marcado por seu radicalismo.
Mas o ápice aconteceu na Copa do Mundo de 2010. Quando era auxiliar de Dunga. Lúcio, Kaká, Felipe Melo, Gilberto Silva, Luisão, Juan, Josué eram evangélicos. E nas folgas, se reuniam para orar. Alguns atletas que não pertenciam ao grupo acabaram revelando os cultos para os jornalistas.
Jorginho era apontado como o articulador das reuniões. E também por ter colocado seguranças evangélicos. E outros profissionais, como apontou a Folha de São Paulo, logo após o Mundial.
"Jorginho foi o responsável pela contratação de Marcelo Cabo para ser "espião" de Dunga no Mundial. Desconhecido no futebol, Cabo dividia com Taffarel, escolhido por Dunga, a função de observar os rivais do time nacional.
Amigo de Jorginho de igreja, ele só trabalhou em clubes pequenos do futebol, como o Bonsucesso, o Bangu e o desconhecido Atlético de Tubarão (SC). O ponto alto da carreira dele foi ter sido auxiliar técnico de Marcelo Paquetá na seleção da Arábia Saudita, em 2002. No Oriente Médio, treinou times locais."
Acabou sabendo de sua demissão pelo site da CBF.
Revoltado, Jorginho deu uma declaração forte ao Estadão. "Sou cristão, não bandido.Eu quero que minha fé seja respeitada. Vivemos num País com liberdade religiosa. As pessoas têm de me respeitar."
Sua postura valeu o veto na Seleção. Que impera até hoje.
Em 2012, o ex-presidente do Corinthians, Andrés Sanchez, era coordenador da fracassada Seleção que perdeu o ouro olímpico em Londres. E ele fez questão de avisar. Não iria repetir o que aconteceu durante a Copa de 2010.
"Culto, não vai ter. Se quiser, vai rezar no seu quarto", sentenciou o cartola. Segundo ele, que afirma ser contra a concentração, apesar de julgá-la necessária, cada um pode fazer o que quiser, desde que não interfira na concentração dos demais."
Ou seja, a cúpula da própria CBF admitia os cultos na África.
Eles passaram proibidos com Luiz Felipe Scolari.
Só que, no ano passado, voltaram.
O pastor evangélico Guilherme Batista esteve em um dos salões do caríssimo hotel Four Seasons em Boston. Sua missão. Organizou um pequeno culto e abençoar brasileiros evangélicos na América do Norte. Tudo normal, fosse ele católico ou de qualquer outra religião.
Acontece que o pastor se encontrou com os goleiros Jefferson, Marcelo Grohe e Alisson; os zagueiros David Luiz e Miranda; o lateral Douglas Santos; e os meias Douglas Costa, Lucas Lima e Kaká. Todos estavam concentrados, na véspera da partida contra os Estados Unidos.
O pastor do Ministério Transformados, de Goiânia, tornou público o que era para ser secreto. Divulgou o encontro na sua página do facebook. As fotos ganharam as redes. Estava escancarado algo que Dunga havia garantido que não aconteceria na Seleção Brasileira. Situação que trouxe vários problemas na Copa de 2010.
A revelação aconteceu em setembro do ano passado.
O homem que manda na CBF, Marco Polo del Nero, determinou a Dunga e ao coordenador Gilmar Rinaldi. Não era mais para acontecer esses cultos na Seleção Brasileira. Os jogadores foram avisados. E quando os seguranças também. Só familiares deverão ficar em lugares fechados com os atletas. Os amigos e pastores nas recepções dos hotéis. Em lugares abertos.
A religião é um assunto muito sério no futebol.
E precisa ser tratado sem radicalismo.
De nenhum lado.
Jorginho falando ao Esporte Interativo mostrou estar maduro.
Tem a sua fé.
E deve mantê-la.
Mas sabe.
Foi contratado pelo Vasco para ser treinador...