O Casaca! vem a público pontuar algo para além do anúncio de falecimento do Grande Benemérito e Presidente de Honra do clube, Antônio Soares Calçada, ocorrido ontem e reverberado por vários meios de comunicação.
Calçada oportunizou, com humildade e reconhecimento, a Eurico Miranda mudar a história do Vasco a partir de 1986, sendo esta inequivocamente sua grande ação pelo clube, pois foi desprovida da vaidade, mal que tanto assola nossa instituição há mais de 100 anos e, também, serve de lição.
A união de vascaínos históricos com quem busca internamente ajudar e participar da história deve ser fomentada e incentivada, com respeito e reconhecimento aos que agiram em prol do clube e não distorções ou edições convenientes praticadas de má fé.
Na gestão última de Cyro Aranha (1952/53), Calçada exerceu a função de Assistente da Presidência e naquele posto militou dentro do futebol vascaíno, agindo inclusive na contratação de reforços e renovação de contratos, junto ao Vice-Presidente de Futebol João da Silva. Seu cargo não era estatutário, mas, mesmo assim, houve destaque por sua participação no clube naquele período.
Antes disso ele havia sido diretor da divisão de tênis de mesa e, posteriormente, diretor de compras do clube.
Calçada foi Vice-Presidente de Futebol do Vasco durante parte da primeira gestão do presidente Artur Pires e em todo o decorrer da segunda. Assumiu a pasta em 21/07/1955 e permaneceu no cargo até 17/03/1958.
Posteriormente, nos anos 60 do século passado, assumiu novamente a Vice-Presidência de Futebol, a 07/08/1964, em meio à gestão de Manuel Joaquim Lopes e permaneceu no cargo até o final dela.
Com a renúncia de Lopes, após ter este obtido sua reeleição, assumiu a presidência João da Silva, mas Calçada foi mantido como Vice-Presidente de Futebol, exercendo o cargo até 18/12/1966.
Cerca de 13 anos depois, com a vitória da União Vascaína nas eleições de 1979/80, Calçada foi escolhido mais uma vez Vice-Presidente de Futebol do clube para conduzir a pasta na gestão de Alberto Pires Ribeiro e ali se iniciava uma ligação com Eurico Miranda, Assessor Especial da Presidência na oportunidade, que se envolveu com o futebol cruzmaltino naquele período, tratando de contratações e renovação de contratos, assim como o Vice-Presidente da pasta, embora seu cargo não fosse estatutário.
Vez por outra surgiam discordâncias entre ambos nos mais variados assuntos envolvendo o tema futebol. Não era tão harmoniosa a relação.
Após desentendimento interno ocorrido pouco antes do pleito seguinte, houve racha na situação e em novembro de 1982 a chapa de Calçada venceu no primeiro turno das eleições do clube a de Eurico Miranda – que surpreendentemente tomou o segundo posto da ala que apoiou o ex-presidente Agathyrno da Silva Gomes, oposição daquela gestão à época.
Naquela disputa o ex presidente Cyro Aranha, criador e desenvolvedor do Expresso da Vitória, ficou ao lado de Eurico Miranda, mesmo tendo ele próprio, Cyro, dado o primeiro espaço de relevo à Calçada, em meados de 1952.
Calçada foi confirmado como novo presidente do clube em janeiro de 1983.
Depois do fracasso de sua primeira gestão, Calçada venceu o primeiro turno das eleições 1985/86 contra Eurico Miranda, com inúmeras denúncias de irregularidades de sócios que votaram no pleito, além de vários problemas vistos no dia da assembleia.
O triunfo situacionista criou definitivamente um clima de beligerância entre as duas correntes, com inúmeros problemas à vista, em função disso.
Foi aí que Calçada trouxe Eurico Miranda e vários do grupo de seu rival para dentro do Vasco, oferecendo a ele o cargo de Vice-Presidente de Futebol.
A atitude em si representava, simbolicamente, muito naquele instante, mas pouco se na prática Calçada tentasse medir forças com Eurico. Não mediu. Uma ou outra vez até tentou, mas na maioria esmagadora das vezes recuou. Agindo assim foi sendo reeleito para vários mandatos.
No último triênio como presidente do Vasco o inevitável aconteceria.
Eurico Miranda aos poucos foi tomando conta do clube. Se em 1996 já conseguira a oficialização do título Sul-Americano de 1948 por mérito próprio, ainda na penúltima gestão de Calçada, em 1998 trouxe o Nations Bank para derramar dinheiro no Vasco e aí passou a praticamente comandar todas as ações.
Sem ter um bom clima para outra reeleição, Calçada queria fazer emplacar o nome de Amadeu Pinto da Rocha como seu sucessor, mas sucumbiu à hábil manobra de Eurico em criar a figura do “Presidente de Honra” para homenagear Calçada e, também, simbolicamente, clarificar que ele, Eurico, seria o próximo nome da situação para presidir o clube.
Logo no início da primeira gestão do novo presidente, em 2001, já se via um distanciamento de ambos. Eurico Miranda preservou Calçada, assumindo os ônus da CPI contra o Vasco, na prática, embora teoricamente Calçada fosse responsável pelos atos administrativos tomados.
Calçada chegou a dar seu depoimento na CPI, mas Eurico, deputado federal à época, não. Nem precisava. Na dúvida a culpa por qualquer mazela do clube caía na conta dele e no fim a CPI virou pó, mas tendo sido exposto o Vasco por um longo período.
Denúncias e falsas certezas abriram caminho para a oposição, capitaneada pelo MUV, buscar espaço político para vislumbrar chegar ao poder, algo inimaginável pouco tempo antes com o massacre imposto por Eurico no primeiro turno das eleições, em 2000, quando fez, inclusive as duas chapas, tal qual fizera Calçada em 1988, quando candidato à segunda reeleição sua.
O famoso episódio da Tribuna de Honra (20/01/2002), que deu gás político a Roberto Dinamite pleitear o cargo de presidente do clube, se iniciou por uma ação de Calçada, interpretada por muitos como provocação a Eurico, uma vez que Dinamite já havia meses antes se arvorado em dizer ser sua vontade presidir o Vasco, como solução simples para o futuro.
Na primeira tentativa de Eurico reeleger-se, Calçada, sem fazer alarde, apoiou a chapa de Roberto Dinamite durante a eleição da Assembleia em 2003.
Curiosamente, enquanto Roberto Dinamite foi atleta do Vasco os embates entre Eurico e Calçada eram protagonizados com o primeiro defendendo o atleta e sua idolatria junto à torcida, enquanto o segundo via no jogador um ativo para venda, não só mostrando-se claramente contra seu retorno da Espanha em 1980, como considerando nova venda do artilheiro no seu primeiro mandato como presidente do clube.
Quando Roberto Dinamite assumiu o poder, anos depois, Calçada voltou ao cenário apoiando a gestão do ex atleta e teve seu penúltimo embate direto com Eurico na eleição do Conselho de Beneméritos em 2010, quando foi candidato à Vice-Presidência contra o adversário, candidato à presidência da outra chapa.
A derrota fragorosa, contando com um grande número de Beneméritos indicados por ele próprio Calçada (que votaram contra ele), mostrou o que o tempo ensinou a todos quanto a quem foi o real protagonista daquele período no qual a dupla seguiu junta no clube.
Finalmente, já próximo dos 94 anos, Calçada foi exposto desnecessariamente pelo candidato derrotado nas últimas eleições, Julio Brant, que tentou usar o veteraníssimo vascaíno para angariar simpatia e votos dos conselheiros natos (Beneméritos e Grandes Beneméritos) em seu favor.
A estratégia, das mais infelizes, pareceu manobra de desespero mais do que a dita “homenagem” que teria justificado a atitude do candidato.
A maioria esmagadora dos conselheiros natos votou com a indicação feita por Eurico Miranda (como era óbvio que fizesse, vide o ocorrido já em 2010), neste que foi o último confronto (forçado por terceiros) entre duas das grandes forças políticas históricas do clube através dos tempos.
Eurico e Calçada faleceram este ano. Quando juntos o Vasco só cresceu e venceu.
Antes de Eurico surgir no Vasco, comandando o futebol, Calçada conquistou na qualidade de Vice-Presidente de Futebol dois Campeonatos Cariocas, um Torneio Rio-São Paulo (empatado com outros três clubes), uma Taça Guanabara e dois títulos de turno, considerando títulos oficiais.
Na presidência do Vasco, sem Eurico, obteve no futebol profissional a conquista da Taça Rio, segundo turno do Campeonato Carioca de 1984.
Portanto, em 10 anos no total, sem Eurico Miranda ao seu lado, Calçada obteve sete títulos, sendo um deles no triênio em que presidiu o clube, considerando suas participações como Vice-Presidente de Futebol e Presidente do Vasco.
Já Eurico Miranda, em 10 anos e meio sem Calçada (todos como Presidente do clube), obteve três Campeonatos Cariocas, duas Taças Guanabara e quatro Taças Rio, num total de 9 títulos oficiais.
Juntos e em harmonia, porém, obtiveram uma Taça Libertadores, uma Copa Mercosul, três Campeonatos Brasileiros, um Torneio Rio-São Paulo, seis Estaduais, sete Taças Guanabara, cinco Taças Rio, dois outros turnos e duas Copas Rio, num total de 28 títulos oficiais.
Foram, portanto, 28 títulos oficiais em 15 anos de parceria, de janeiro de 1986 a janeiro de 2001, contra 16 em 20 anos e meio nos quais um não tinha o outro.
Na política do Vasco hoje fala-se de união, mas se vê ódio como sentimento maior em cada canto, o desrespeito a pessoas e grupos são corriqueiros e cada um acha ter a melhor solução para a resolução de todos (ou quase todos) os problemas.
A união institucional começa quando a maioria percebe quem é o melhor candidato para exercer o cargo principal do clube, com segurança, e se sustenta quando o escolhido opta por cercar-se dos mais voluntariosos, capacitados e comprometidos com uma causa, na qual a agenda positiva do Vasco esteja em primeiro plano e questões outras sejam menores.
Que a história ensine aos mais novos e se repita para que todos possamos amadurecer ao longo do tempo e não meramente envelhecer descrentes ou resignados.
Casaca!