A Lei da Sociedade Anônima do Futebol (SAF), Lei 14.193/21, não para de trazer desdobramentos e novos debates no futebol brasileiro. Dessa vez, ela está sendo a responsável por impedir que o Vasco faça novas contratações por conta que criou um conflito entre decisões do tribunal da CBF, a Câmara Nacional de Resoluções de Disputas (CNRD), e da Justiça Comum em relação a maneira que o clube deve quitar uma dívida com um agente. Fato é que a legislação gera dúvidas e o Cruz-Maltino, que pagou a pendência em juízo, está sofrendo com as consequências.
Para o economista César Grafietti, os diversos problemas que vêm surgindo envolvendo as SAFs são resultados de uma lei que foi mal escrita.
"O texto da Lei da SAF é tão ruim que deixou brechas óbvias que seriam evitadas com um mínimo de conhecimento sobre como o futebol se estrutura. A ideia de que seria possível incluir dívidas esportivas - especialmente pagamentos a clubes e agentes - dentro do RCE (Regime Centralizado de Execuções) representa claramente isso. As SAFs terão como lidar com valores pequenos, mas há casos relevantes e que certamente representarão problemas de gestão. Há jurisprudência da FIFA em relação a este tema, e trata-se de uma proteção ao sistema", avalia.
"O RCE relacionados a assuntos cíveis e trabalhistas é um mecanismo muito interessante que a Lei da SAF trouxe para os clubes brasileiros, e que cria a possiblidade das agremiações gerenciarem melhor seu passivo, sem ficarem com suas atividades travadas, por contas de bloqueios judiciais de bens e contas. Porém, ao se fazer a opção pela adoção dessa medida, é preciso que o clube tenha uma visão ampla do seu cenário financeiro e um panorama completo dos litígios que enfrenta, para que a opção pelo RCE ao invés de ajudar a empresa, crie amarras que possam limitar sua atuação, como recentemente ocorreu com o Vasco, que tem uma ordem a cumprir da CNRD, mas não consegue fazer isso, por restrições decorrentes do mecanismo de centralização", explica Rafael Marcondes, advogado especialista em direito tributário e colunista do Lei em Campo.
"A tendência é de que os novos donos das SAFs tenham que pagar as dívidas esportivas antes das demais, sob risco de ficarem limitados em relação às contratações. Sem contar riscos como a perda de pontos, o que já ocorreu com o Cruzeiro. Neste momento parece menos provável porque a FIFA deixou de aplicar tal sanção, mas nada garante que não volte a ocorrer em caso de recorrência de atrasos", acrescenta César Grafietti.
De acordo com o jornalista Rodrigo Mattos, do 'UOL Esporte', a dívida do Vasco é com a empresa G3, do agente José Luiz Galante, é esta calculada em aproximadamente R$ 320 mil. A pendência foi cobrada pelo empresário na CNRD, órgão da CBF destinado para a resolução de conflitos entre clubes, jogadores e agentes. Esse tribunal determinou que o Cruz-Maltino pagasse o valor sob pena de ser impedido de contratar, o que acabou ocorrendo por seis meses.
A grande questão é que o Vasco aderiu na Justiça do Trabalho e Cível ao Regime Centralizado de Execuções (RCE), um mecanismo presente na Lei da SAF que prevê que todas as dívidas cíveis do clube têm de entrar na fila para pagamento por meio de 20% das suas receitas. Com isso, o time de São Januário estaria impedido de quitar as pendências cíveis só por sua vontade, sendo necessário respeitar a ordem do juiz.
A 6ª Vara Empresarial, centralizadora das dívidas do Vasco, decidiu que isso valia para todos os débitos. Diante disso, o clube solicitou que o tribunal notificasse a CBF e CNRD que estava impedido de pagar a dívida, mas ainda assim depositou os R$ 320 mil do empresário em juízo.
O caso ganhou um novo capítulo no começo de março, mais precisamente no dia 3, quando a Justiça Comum mandou notificar a CBF e a CNRD que os débitos deveriam ser pagos dentro do RCE, destacando que o Vasco não poderia ser punido por isso. No final do mês, a Justiça informou ao clube que a entidade brasileira e o tribunal esportivo já foram avisados da situação.
No entanto, a história não acaba aí. Agora, a CNRD precisa se manifestar sobre o conflito de decisões entre a Justiça Arbitral e Comum. Somente a partir daí que a Justiça vai decidir em definitivo se os débitos no tribunal arbitral terão alguma exceção ou se, de fato, serão cobrados com os demais.
Caso a decisão seja de que os débitos serão pagos na ordem da Justiça Comum, a CNRD vai perder sua função principal de pressionar os devedores com pendências esportivas daqueles que aderiram a esse mecanismo da Lei da SAF.
"A tendência é que o estabelecido pela Justiça Comum prevaleça sobre o disposto pela CNRD, porém até que a confusão seja resolvida, é o clube que sofre com as restrições que lhe são impostas e que por uma falha, não foram antevistas pela administração vascaína", finaliza Rafael Marcondes.
Até o imbróglio ser resolvido, o Vasco segue impedido de contratar novos jogadores apesar de estar com dinheiro em mãos. Vale lembrar que o clube carioca está próximo de vender 70% das ações futura da SAF para o grupo americano 777 Partners.