Especialistas ouvidos pelo GLOBO consideram que, embora nenhum protocolo neste momento possa garantir com 100% de segurança que não haverá atletas infectados, a volta aos treinos dos jogadores dos clubes do Rio é viável. Desde, é claro, que seguidos com rigidez os métodos propostos no documento chamado "Jogo Seguro", um conjunto de procedimentos estabelecidos após reuniões de uma comissão formada por médicos de equipes que disputam o Estadual. Para a volta dos jogos, no entanto, a impressão é de que ainda há um longo caminho a seguir, mesmo que se estabeleça um outro protocolo ainda mais rígido.
Os clubes aguardam a liberação das autoridades para que os jogadores, a princípio de forma individual e, posteriormente, divididos em pequenos grupos, possam retomar atividades de preparação. Um dos especialistas que entende ser possível liberar a volta a treinamentos é o epidemiologista Roberto Medronho, que tem sido ouvido pelo Palácio Guanabara em questões relativas à pandemia do novo coronavírus. Recentemente, ele foi uma das vozes contrárias à reabertura de shoppings e comércio de rua, medida estudada pelo governador Wilson Witzel.
- Nunca é possível fazer uma bolha, ter segurança de 100%. Mas para treinar ainda é possível mitigar riscos, reduzir contatos e criar um protocolo. Mas o jogo é essencialmente de contato - alerta.
Os clubes, embora digam esperar as autoridades, têm pressa pelo retorno também das competições. E a razão é econômica: não finalizar campeonatos implica em perda de cotas já negociadas. Mas, no que depender de especialistas da área de saúde, deverá ser preciso esperar até junho.
As medidas para volta aos treinos incluem, por exemplo, testes de sorologia para Covid-19. Estes seriam realizados dez dias antes da volta aos treinos e repetidos 72 horas antes da primeira atividade. E, novamente, em caso de volta dos jogos. Seriam testados, além de atletas e membros das comissões técnicas envolvidos nos trabalhos, familiares que moram com eles.
Outras medidas incluem ampliação do material higiênico à disposição dos jogadores e atividades apenas em áreas externas, o que impediria, por ora, o uso de academias. Vestiários também não seriam usados e os jogadores, além de irem para os treinos vestidos para a atividade, lavariam as roupas em suas casas. Todos usariam, ainda, seus carros para se dirigirem ao local de trabalho.
- Ainda assim é arriscado. Mas com um grupo pequeno, ao ar livre e poucas pessoas envolvidas, é possível fazer - concorda o infectologista Alberto Chebabo.
Ambos, no entanto, levantam algumas questões. Uma delas, se os clubes pequenos serão capazes de seguir altos padrões de testagem e se seguirão à risca todas as normas e o nível de controle sobre familiares de atletas e comissões técnicas. A Federação comprou 700 testes e priorizará os clubes menores. O Flamengo, por sua vez, espera receber 600 testes importados da Coreia do Sul.
Especialistas ainda apontam que não há 100% de confiabilidade para diagnósticos feitos apenas a partir de um exame de sorologia, de resultado mais rápido do que o PCR, coletado através de secreções respiratórias. O objetivo é separar os jogadores em grupos: um que teste positivo e apresente imunidade, outro com sintomas e que precisem ser afastados e outros que testarem negativo.
- Para uma primeira testagem, é interessante. Mas é improvável que seja um número alto de atletas com imunidade. E para evitar falsos negativos, teria que ser repetido após duas a três semanas - diz Chebabo. O exame feito através do sangue mede respostas imunológicas do paciente, o que pode acontecer vários dias após a infecção.
Nos bastidores, mais do que simples treinos, clubes e federação trabalham para convencer as autoridades de que é possível voltar a jogar. Ainda que um futebol diferente, com jogos em estádios menores, como Gávea e Laranjeiras (com portões fechados), ou até em Centros de Treinamento. Além disso, com uma espécie de volta no tempo e entre cinco e sete jogadores no banco de reservas, para que haja mais espaço entre eles. Mas terão trabalho, ao que parece.
Por ora, boa parte dos argumentos que vêm sendo usados são rebatidos por especialistas. Um deles, de que o ritmo de avanço da doença no Rio tem permitido à rede privada resistir à ameaça de saturação. E, assim, o futebol não seria responsável por estrangular o sistema seja com casos de infecções, seja com eventuais problemas médicos decorrentes do jogo.
- Não é verdade que, neste momento, não haja saturação - avalia Medronho: - Ainda há uma emergência de saúde e a rede privada pode ter que prestar socorro à rede pública.
- Seria preciso ter uma epidemia retrocedendo, tanto em número de casos quanto de mortes. Ainda estamos numa curva ascendente, nem no pico chegamos - emenda Chebabo.
Para especialistas, é preciso esperar, no mínimo, a virada de maio para junho para observar as condições da rede de saúde e a curva da epidemia. As preocupações das autoridades médicas envolvem desde o uso de profissionais de saúde nos jogos - que seriam sem público - ao uso de ambulâncias, passando pelo risco de contágio pelo natural contato inerente ao jogo.
Não se trata de esperar que a doença desapareça, o que dependeria de uma vacina que pode levar mais de um ano para ser desenvolvida, mas de sistemas de saúde menos próximos de um colapso. Este tipo de decisão estará nas mãos das autoridades diante do pleito dos clubes.
Outra questão que se levanta é uma possível aglomeração de torcedores ao redor de estádios. Como prevenção, seria necessária a presença de forças de segurança num momento em que a cidade precisa de agentes públicos em outras funções.