N a próxima terça-feira, véspera do mais importante jogo de sua carreira de técnico, Renato Gaúcho completa um ano no comando do Vasco. No futebol brasileiro, onde a cultura predominante é demitir o treinador a cada fase ruim, é um feito e tanto.
Na última sexta-feira, um dia após a derrota por 4 a 2 para o Palmeiras, Renato recebeu a reportagem do LANCE! em São Januário para fazer um balanço de seu trabalho no clube.
Revelou bastidores desse ano no Vasco, mas falou de muita coisa mais: de Felipão, Copa do Mundo, Romário e, claro, da decisão da Copa do Brasil contra o Flamengo.
LANCE!: Quando você foi contratado, o Vasco estava na zona de rebaixamento e vivia grande crise. Esperava completar um ano no clube?
RENATO GAÚCHO: É uma satisfação profissional muito grande. Ainda mais no futebol brasileiro. Aqui, os críticos e a torcida são muito exigentes. Você não consegue ficar tanto tempo se não estiver fazendo bom trabalho. Acho que, no momento, só o Mano (Menezes, do Grêmio) e o PC (Gusmão, do Cruzeiro), estão há tanto tempo no mesmo clube.
L!: Qual foi o pior momento para você desde que chegou ao clube?
RENATO: Sem dúvida foi no ano passado, logo que cheguei. O elenco tinha mais de 60 jogadores, é impossível você comandar tanta gente. É como uma babá tomar conta de 15 crianças. Diziam que era o pior Vasco da história. Era o caos completo. O presidente Eurico me deu carta branca para trabalhar.
L!: Logo no seu segundo jogo, o Vasco levou de 7 a 2 do Atlético-PR...
RENATO: Naquele jogo vi que teria de ir mudando o elenco. Por exemplo, havia alguns jogadores que o Romário tinha trazido para o clube.
Naquele mesmo dia chamei ele e falei: \"Baixinho, não vai dar\". E comecei a fazer a limpa.
L!: Pensei que você iria citar a eliminação do Estadual como o pior momento. Chegaram a noticiar que você estava fora do Vasco...
RENATO: No dia seguinte da derrota para a Cabofriense, vim para São Januário decidido a pedir demissão.
Entrei na sala do Eurico com esse pensamento. Mas ele e o Zé Luiz (Moreira, vice-presidente de futebol) me enrolaram, não deixaram eu falar. Eles me deram respaldo para fazer o que eu quisesse.
L!: Inclusive para afastar o Romário?
Aquele foi o último jogo dele.
RENATO: O problema do Romário foi outro. No ano passado, ele foi maravilhoso. Cumpriu a programação dele, que é diferente da dos outros, e o foi a artilheiro do Brasileirão aos 40 anos. Mas agora ele estava querendo só jogar. O Romário acha que com o enorme talento que ele tem, vai entrar no jogo e desequilibrar. E no futebol atual não é mais assim.
L!: Mas como foi o episódio da barração dele contra o Flamengo?
RENATO: Na quinta-feira, dia seguinte à derrota para a Cabofriense, fui à festa da filha dele, na casa dele.
Pedi a ele para ir ao treino no dia seguinte. Ele não apareceu. Tentei falar com ele na sexta, no sábado e não conseguia. Decidimos no sábado que ele não jogaria. No domingo de manhã, ele ligou para o Nílson (Gonçalves, supervisor) perguntando que horas era o almoço na concentração, pois queria jogar. Aí dissemos que não ia dar. Ninguém queria tirar o Romário, ele que se tirou.
L!: E se ele voltar agora, em setembro, como ficou combinado?
RENATO: Não posso ficar pensando nisso agora, estou totalmente focado na decisão. Não sei se ele vai querer voltar, fazer um jogo de despedida, sei lá. Vamos ver o que acontece.
L!: Mas você já falou com ele desde que ele foi para os EUA?
RENATO: Sim, várias vezes. Tenho uma amizade muito boa com o Romário, nada vai mudar isso.
L!: Acha que seria possível formar um time com Romário e Edilson, dois veteranos juntos?
RENATO: O Edilson é veterano, mas ainda se movimenta muito. Até daria. Mas em muitos jogos seria impossível. Ia acontecer o mesmo que ocorreu com a seleção, com o Ronaldo e o Adriano lá na frente.
L!: Você
jogou por Flamengo, Fluminense e Botafogo. Qual a diferença do Vasco para os outros?
RENATO: A estrutura. Com todo o respeito a Flamengo, Fluminense e Botafogo, mas a estrutura do Vasco é melhor que a dos três juntos. A começar pelo estádio próprio. Em São Paulo, qualquer clube médio tem estádio. E Fla e Flu não têm. É absurdo.
L!: E quanto a outras diferenças? O Vasco é um clube da zona norte, tem menos badalação. O estilo de administração é diferente...
RENATO: Isso é fundamental. Aqui quem manda é o Eurico. Ele sempre diz uma coisa que respeito: \"Sou eu quem pago as contas, sou eu quem manda\". Isso facilita. Em outros clubes, é muita gente querendo mandar. O presidente fala uma coisa, o vice fala outra, a comissão técnica outra. Ninguém se entende. Aí o técnico diz: \"Vou escutar quem?\" Aqui no Vasco é um caminho só.
L!: Vamos falar da final, Renato. Você e 90% do elenco não estavam aqui, mas a torcida está com as derrotas para o Flamengo entaladas na garganta. Isso pesa?
RENATO: Olha, logo que a Copa começou, viajei para Natal com a minha mulher. Impressionante como tem vascaíno lá. Eles me paravam: \"Renato, não agüento mais perder para o Flamengo.\" E eu pedia para eles terem calma, que estamos fazendo tudo para ganhar. Aqui no Rio tem sido assim também, estou até saindo menos de casa.
L!: Sente os jogadores com essa gana de vencer?
RENATO: Joguei por 19 anos e fui campeão 16 vezes. Sinto esse clima no grupo. Estou sentindo que eles vão entrar rasgando na decisão. Repito sempre a eles que um título marca sua vida. Daqui a 40 anos, eles vão poder vir a São Januário com seus netos e mostrar o que fizeram. Quando jogamos com o Grêmio, levei minha filha ver o museu que tem no Olímpico. Ela tem 12 anos, está começando a entender quem o pai dela foi. Foi emocionante, choramos juntos. Falo sempre disso para os jogadores. É importante para eles olharem par o banco e pensarem: \"Pô, esse cara é fera, já ganhou muito\" Eles escutam mais.
L!: Quem eram os \"feras\" que você via no banco quando era jogador?
RENATO: Ah, vários. Joguei só em clube grande e na seleção. Telê Santana era um. O próprio Espinosa, que tem uma linda história de vida.
L!: Muitos ex-jogadores citam o Ênio Andrade (técnico já falecido) como um dos maiores técnicos do futebol brasileiro... RENATO: Ele foi meu treinador bem no início, no Grêmio. Mas foi mandado embora porque não me escalava (risos). Dizia que estava me preparando. A imprensa e a torcida pressionavam muito. Depois ele saiu, eu entrei no time, ganhamos a Libertadores e o Mundial. Mas se você me perguntar se eu culpo ele, digo que não. Até porque eu tinha 20 anos e fazia um monte de merda naquela época. E na minha posição tinha o Tarciso, que era um grande jogador. Mas hoje, se eu tiver um jogador que faz um monte de besteira, ponho para jogar. Romário é um.
Não posso contar um terço dos problemas que me deu, mas resolvia.
L!: E quem é o técnico em quem você se espelha hoje?
RENATO: O Felipão é a minha cara. É da escola gaúcha, tem o estilo que admiro. Técnico tem de jogar junto.
Foi o único técnico que deu show na Copa do Mundo. Não tenho nada contra ninguém, mas aí o jogador olha para a beira do campo e o técnico está lá, parado. Depois do jogo, não adianta falar para o jogador: \"Ah, você deveria ter feito assim\". E por que ele não avisa antes?
L!: É muito diferente participar de uma final como jogador e como técnico? RENATO: Muito. Porque do banco você não pode interferir. Você explica, treina a semana toda, monta estratégia, mas, na hora do jogo, não pode sair daquele quadradinho. Você depende dos outros. É tenso.
L!: Tem alguma superstição às vésperas de um jogo importante como a final da Copa do Brasil?
RENATO: Não sou muito de superstição. As pessoas não acreditam, mais gosto de ir à Igreja de vez em quando. Vou lá no meu horário, quando está mais vazio. Agradeço por tudo. Isso me faz bem.
L!: E a sua rotina, como fica quando uma final se
aproxima?
RENATO: Muda completamente.
Ontem (quinta-feira), chegamos de São Paulo às três da manhã. Às seis, eu acordava, pensando na final. Podem reparar que eu vou emagrecer.
Vou perder tranqüilamente uns três ou quatro quilos. Não sinto fome às vésperas da decisão. Perco o sono também, vocês vão me ver cheio de olheiras.
L!: Acorda no meio da noite pensando no dia do jogo?
RENATO: Sempre. E falo isso para os jogadores, é importante. Sempre digo: \"Quando forem dormir, ao botar a cabeça no travesseiro, fechem os olhos e se imaginem campeões, dando a volta olímpica no Maracanã. Imaginem quanta coisa boa\". É alimentando um sonho assim que se alcança seus objetivos.