Futebol

Cria do Vasco, o meia Caio Eduardo é destaque no Al Ittihad Kalba

Uma história que começou na comunidade de Acari, na Zona Norte do Rio de Janeiro, e hoje é contada em campos do outro lado do mundo. Cria do Vasco, o meia Caio Eduardo é destaque no Al Ittihad Kalba, da primeira divisão dos Emirados Árabes. Em bom momento na carreira, o jogador de 21 anos que contrariou previsões relembra a adolescência difícil na favela e de como o futebol e, em especial, o Vasco transformaram a sua perspectiva de futuro.

- Os moradores lá da comunidade diziam que eu não ia passar dos 18 anos. Eu lembro de uma vez em que uma mulher falou para mim dessa forma: “você não vai passar dos 18”. Durante a minha infância, na cabeça de todo mundo e até na minha mesmo, eu não ia ser jogador, eu ia ser outra coisa. Eu falava que ia seguir o caminho do meu pai - afirma Caio que completa:

O Vasco mudou a minha vida, eu sempre falo isso. Ele mudou totalmente a minha vida.

O pai de Caio, Carlos Eduardo, foi preso em 2014 por tráfico de drogas e suposto envolvimento na morte de um policial. A pena foi de 12 anos. Caio tinha apenas 11 anos.

- Ele não me viu crescer, ficou esses anos todos na prisão. A gente ia lá visitar ele, mas não tinha aquela coisa de pai e filho levando para brincar, sair, a gente não tinha isso. Hoje, ele virou crente e está trabalhando. A gente se fala direto. Ele tá até pregando, e quando eu o vejo pregando, os meus olhos enchem de lágrima - disse Caio.

Conhecido no Vasco como Caio “Buiu”, o meia começou a jogar na escolinha de futebol do Damila na própria comunidade. O potencial dele logo chamou a atenção do professor que o levou para o Vasco. No time de São Januário, ele iniciou no sub-17, e depois, no Sub-20, foi campeão da Copa do Brasil e da Supercopa do Brasil.

A adaptação no clube, porém, não foi fácil. O jogador se mudou para o CT do Vasco aos 14 anos devido a impossibilidade de ir aos treinos quando tinha operações policiais no Acari. Mas constantemente fugia da concentração por saudade da família e dos amigos.

- Eu queria estar brincando com os meus amigos ainda, soltando pipa, jogando bola. Eu queria ficar na minha comunidade. Mas conseguiram me convencer e eu fiquei no Vasco de vez. Depois o meu empresário conseguiu um apartamento para mim em São Cristóvão e levei minha família - afirmou o jogador.

Criado pelos bisavós, Caio conta que a falta de apoio dos pais também era um dos fatores que influenciava em sua “fuga” para a comunidade.

- Eu olhava para arquibancada e só estava lá meu irmão, minha prima, e eu via os pais dos outros jogadores falando “vai, filho!”. E aquilo ficava na minha mente. Saía do jogo pensando que os meus pais não estavam ali me apoiando, eu ficava muito triste. Minha mãe nunca ligou para nada, ela sabia que eu jogava, mas não ligava. Depois eu percebi que era o jeito dela - disse Caio.

Pelo profissional, Caio jogou apenas na vitória do Vasco por 3 a 1 sobre o Resende no Campeonato Carioca de 2021. Os gols foram de Bruno Gomes e Germán Cano (2).

- Eu até tentei dá um passe para o Cano, só que eu errei. Na época ele fazia pix para quem dava assistência para ele – brincou Caio.

O meia conta que o maior desejo era de ouvir a torcida vascaína, mas com a estreia pelo profissional em meio ao período de isolamento social, provocado pela pandemia da Covid-19, o estádio estava completamente vazio. Ainda assim, o garoto lembra com entusiasmo da primeira e única vez em que entrou em campo com a camisa do time principal do Vasco .

- Quando eu fui chamado para entrar, passou muita coisa na minha cabeça. Me lembrei da mãe de uma ex-namorada que disse que eu não tinha futuro, da mulher que falou que eu não ia passar dos 18 anos, que eu era muito abusado, passou um filme. Eu fui correndo e pensando em um monte de coisa. Só agradecendo a Deus - afirmou.

Por que saiu de graça?

Aos 18 anos, Caio saiu do Vasco de graça por conflitos contratuais. O jogador queria um salário melhor, mas as propostas do clube não o agradaram. De acordo com ele, além do desejo do Vasco por sua permanência, o Botafogo também teve interesse em sua contratação. Porém, com uma proposta salarial semelhante a do time de São Januário, ele preferiu tentar a vida fora do país. Caio deixou o Vasco no fim de 2021, antes do clube virar SAF.

- Eu nem imaginava jogar nos Emirados. Quando eu estava no Vasco, meu objetivo era jogar no profissional para torcida saber quem era o Caio, mas as coisas mudaram de repente. Na época, minha família dependia de mim e eu precisava mudar de vida. Naquele período, o Vasco não estava bem financeiramente. Não tinha uma diretoria como tem hoje. E, por isso, eu esperei o contrato terminar e saí - disse Caio.

Na Série B em 2021 o Vasco já vivia uma drástica situação financeira. O clube acumulava uma dívida de quase R$ 730 milhões, um dos motivos que fizeram o clube aprovar a implementação da SAF e a venda das ações para a 777 Partners um ano depois.

Recentemente, alguns lances de Buiu viralizaram entre torcedores do Vasco, alguns deles se perguntando como o clube deixou o jogador sair de graça. Ele não esconde o tamanho do carinho que sente pelo time de São Januário e deixa as portas abertas para um retorno.

- Para eles, eu saí como um mercenário, mas eu voltaria para demonstrar meu futebol e contar minha história. A torcida precisa saber que não foi da forma como eles imaginaram. E imagina eu voltar e jogar com o Coutinho? - concluiu Caio, que tem contrato com o Kalba até dezembro de 2026.

Seleção brasileira

Em 2019, Caio foi convocado para a seleção brasileira sub-16, quando participou de um torneio amistoso contra seleções europeias na Inglaterra.

- A gente estava no ônibus voltando para São Januário e a galera começou a gritar me dando parabéns. Eu não estava entendendo nada, falei até que não era o meu aniversário. Aí eles mostraram a lista e estava lá o meu nome. Tomei até um susto. Liguei para minha família, comecei a pular de alegria - relatou o meia.

Durante os jogos, ele chegou a enfrentar adversários como o inglês Bellingham (Real Madrid) e o alemão Musiala (Bayern de Munique), um acontecimento que traz orgulho para o meia até hoje.

Emirados Árabes

Após sair do Vasco, a primeira passagem de Caio nos Emirados Árabes foi pelo Shabab Al Ahli, um dos melhores times do país com dez títulos da liga nacional (UAE Pro League) e sete Supercopas. De acordo com o jogador, a adaptação foi rápida por ter muitos jogadores brasileiros no clube. Na época, o treinador da equipe era o português Leonardo Jardim, hoje no Cruzeiro. Portanto, ele ficou bastante confortável com a língua natal.

No entanto, o jogador não conseguiu espaço no time e foi transferido por empréstimo ao Al-Nasr em 2022, o que gerou uma lamentação para ele já que, logo após a sua saída, o Shabab Al Ahli foi campeão da liga.

- Nessa hora eu fiquei pensando para quê eu fui sair. Podia pelo menos ter saído na foto – brincou Caio.

Atualmente no Al Ittihad Kalba, o meia é titular com um gol e duas assistências na temporada. No ano passado, já no Kalba, Caio teve a oportunidade de jogar contra o ex-time de Iniesta, o Emirates, pela UAE Pro League. Para o garoto de Acari, dividir o campo com o histórico meia do Barcelona foi um dos momentos mais marcantes de sua carreira.

- Era um cara que eu só via no videogame, só jogava com ele. Eu até pensei que fosse conseguir roubar a bola fácil dele por estar velho, mas não, ele parece que pensa cinco segundos antes de você, saía da marcação muito rápido. Foi uma experiência incrível - afirmou.

Fonte: ge
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