Com a posse de Pedrinho prevista para o próximo dia 22, a gestão de Jorge Salgado no Vasco está oficialmente em sua última semana. Em encontro com jornalistas, o presidente e alguns dos principais vice-presidentes — Carlos Roberto Osório (VP Geral), Chico Kronemberger (Marketing) e Horacio Junior (História e Responsabilidade Social) — fizeram um balanço dos principais momentos dos três anos em que estiveram à frente do clube.
Dívida alta e dificuldades no futebol
Segundo Salgado, antes do início da gestão, com base em informações públicas, de balanço, a ideia era que existia uma dívida de R$ 620 a 630 milhões, com previsão de receitas de R$ 250 milhões. Já na cadeira da presidência, foi verificado que o passivo, na verdade, era de R$ 830 milhões, mais cerca de R$ 200 milhões sem execução imediata.
O tamanho da crise financeira impactou diretamente a montagem do futebol — o Vasco permaneceu na Série B durante os dois primeiros anos do mandato, com reduzido valor de direitos de transmissão: cerca de R$ 20 milhões, boa parte já comprometida. A receita total do clube projetada no primeiro ano era de cerca de R$ 120 milhões.
Nesse mesmo primeiro ano, houve uma remontagem do time com a necessidade de acordos para a saída de atletas. O diretor Alexandre Pássaro comandou o futebol em campanha que terminou com o 10º lugar na Série B. No ano seguinte, pouco competitivo financeiramente, clube recebeu negativas de vários profissionais e apostou em Carlos Brazil, que já havia feito trabalho na base cruz-maltina, como gerente geral do futebol. O cenário continuava dramático.
- Nesse primeiro ano eu tinha que arrumar dinheiro, caixa - conta Salgado.
Em março de 2021, o Vasco demitiu quase 200 funcionários. "A contragosto", segundo o presidente. Para gerar receitas, uma das alternativas foi organizar encontros com investidores apresentando projeções financeiras para o clube. O que também não trouxe grandes resultados:
- Todos ficavam bem impressionados com a transparência, mas muito mal impressionados com os números. Estávamos mostrando uma empresa basicamente insolvente.
Apesar do otimismo com o elenco montado, o time sucumbiu na primeira Série B e passou longe do acesso. Salgado acredita que o entorno conturbado pesou:
- Nada encaixou direito. O futebol faz parte de uma de uma grande engrenagem. Se ao redor do futebol não está funcionando bem, acaba repercutindo ali.
Constituição da SAF
A aprovação da lei das SAFs, em 2021, foi vista com bons olhos no Vasco, que precisava de uma injeção de capital. O próprio Salgado confirma que investiu valores do próprio bolso no clube - uma dívida que ainda está sendo negociada com a SAF.
A venda do futebol não foi um processo fácil, lembra o mandatário. O book de apresentação do Vasco foi enviado a 62 investidores internacionais. Pouco mais de 20 responderam com cartas de intenções. Quatro permaneceram no processo, entre eles a 777 Partners.
- Os mais interessados, os mais contundentes e a melhor oferta sempre foram da 777. Sempre foram agressivos, entenderam que queriam comprar o Vasco pela história. Queriam um clube na América do Sul, sabiam da importância do futebol brasileiro na estratégia de negócio deles.
A negociação foi longa, de mais de oito meses. Na mesa, estava o estádio de São Januário, desejo da 777 Partners, mas que acabou permanecendo com a associação. A manutenção dos 30% do futebol com o clube foi outro tópico quente na roda de conversas.
Mágoa com Mello
Nos primeiros meses de SAF, em agosto de 2022, veio o primeiro problema. O então CEO da associação Luiz Mello foi nomeado pela 777 como CEO da SAF. Um movimento que repercutiu muito mal dentro do Vasco e motivou manifestação conjunta de vice-presidentes, que na época ameaçaram entregar seus cargos. A decisão foi tomada pela empresa e comunicada posteriormente a Salgado. A atual gestão admite que esperava ser consultada antes do movimento, mas alega que houve reconhecimento de erro na 777 com a saída do dirigente.
- Fui pego de surpresa, no contrapé. Sabendo que não ia dar certo, como não deu - diz Salgado.
- O Mello entrou com uma agenda de absoluta separação do clube da SAF - complementa Osório.
Na SAF, a gestão de Mello foi muito criticada por torcedores, em especial pelas acusações de não torcer para o clube. O executivo virou alvo frequente nos protestos em meio ao mau momento da equipe no Brasileiro. Com o clube, a relação era nitidamente ruim e fria. Em julho do ano passado, Mello deixou o cargo de CEO do Vasco e deu lugar a Lucio Barbosa, que acabou efetivado. Desde então, a relação entre clube e SAF se estreitou e melhorou significativamente.
Ano difícil da SAF
No primeiro ano na Série A, a SAF do Vasco sofreu com um dos piores inícios de Brasileirão da história do clube. Na segunda janela de transferências da temporada, foi ao mercado, trouxe o técnico Ramón Díaz e qualificou o elenco. Ainda assim, a permanência veio apenas na última rodada do campeonato.
- A gestão deles melhorou muito. Eles foram também muito conscientes em saber que com aquele elenco a gente não ficaria na Série A. Foram agressivos, as contratações no meio do ano foram muito eficientes. Acertaram no treinador, no número 9 (Vegetti), em muita coisa - analisa Salgado, que deposita confiança no futuro das SAFs no Brasil:
- Eu acredito muito nesse modelo de gestão, um modelo bacana, profissional. Tem estrategista de futebol, diretor-geral, diretor de cada time. Todos os clubes vão para a SAF, vão profissionalizar o futebol. Mesmo que eles não vendam, não corram atrás de acionistas no início, eles vão criar. Exatamente fazer o que a gente fez. Estamos na frente. Profissionalizar o futebol do CEO até o último cara, tem que ser tudo profissionalizado.
Atrasos no pagamento do segundo aporte
Em setembro, o aporte de R$ 120 milhões que deveria ser repassado ao Vasco atrasou, e acabou sendo pago em frações. Com prazo até 5 de setembro e carência de 30 dias, o pagamento foi finalizado no dia 10 de outubro. Antes disso, segundo Salgado, houve certa preocupação com reportagens colocando em dúvida os negócios da empresa americana na imprensa estrangeira, mas a due diligence feita antes do acordo garantiu segurança. Quanto aos atrasos, o clube teve confiança no contrato firmado.
- Eu sigo a regra do jogo. Se não pagou na data, tem mais 30 dias. Se não pagou, aciono uma cláusula, retomo o controle do clube e eles ficam como acionistas minoritários.
Ainda nesta terça-feira, O GLOBO publicará uma segunda parte da conversa, envolvendo tópicos como o Maracanã, a reforma de São Januário, o CT Moacyr Barbosa e as pastas de Marketing e Responsabilidade Social do clube.