Na quarta-feira, à tarde, o Cruzeiro iniciava sua temporada no youtube do jornal "O Tempo". No início da noite, o Santos estreava no HBO Max e na TNT Sports. Pouco depois, o Flamengo atuava nas telas de uma série de streamings no Twich, Gaules, Flow, Casemiro, além de obviamente na TV Aberta na Record.
O primeiro dia cheio de jogos já mostrava a nova realidade dos Estaduais: uma multiplicação de transmissões em plataformas diversas. Um cenário bem diferente de dois anos atrás onde todas as partidas eram concentradas na Globo e seus canais.
E esta revolução é boa para o clubes e para o futebol? O torcedor é beneficiado pelo aumento da diversidade? Trata-se de uma novidade que veio para ficar?
As respostas, diga-se, ainda não são completas. Mas tentemos destrinchar os dados para entender como o processo se deu, os pontos positivos e negativos e o que pode ocorrer no futuro.
Primeiro, os Estaduais são um campo de experimentação porque perderam valor de mercado. Esse é um fato. Não foi à toa que a Globo decidiu aproveitar-se de uma disputa com o Flamengo para romper o contrato com o Carioca, nem que fez propostas inferiores aos acordos anteriores dos Regionais.
O Paulista manteve uma boa parte do seu valor em contratos pulverizando os direitos. Os números não estão abertos, então, é impossível saber exatamente a relação com o acordo anterior da Globo, de R$ 230 milhões, na sua origem (houve reajustes). Mas a negociação fatiada foi bem-sucedida em, no mínimo, não gerar perdas para os clubes.
Na conta geral, considerando todas as regiões, os clubes perderam receita no período dos Estaduais em relação há dois anos. Como já se disse, há um peso significativo de as competições valerem menos para o público final.
A perda de valor impulsionou os Estaduais para se tornarem um campo para a inovação. A Libertadores e Brasileiro, onde há enorme interesse do mercado, dificilmente terão produtos fatiados por streamings diversos. Os grandes players -que são as TVs Abertas, Fechadas e gigantes de tecnologia - devem dominar as disputas por esses direitos. É assim na Europa, nos EUA, com as grandes ligas.
Mas, se são fruto da necessidade, as inovações certamente apontam para o futuro. Transmissões como as feitas pelo apresentador Casemiro, por exemplo, vão bem além do tradicional do esporte e atraem outros públicos, aqueles que seguem os influenciadores. Cria-se um novo tipo de entretenimento, o famoso sportainment, tão falado por especialistas.
A verdade é que há um cansaço geral do público com o modelo tradicional de transmissão esportiva. A TV ficou presa a uma fórmula que não atende a hiperconectividade, o desejo de informação de nicho e de bom humor do público mais jovem. O crescimento de lives direcionadas a torcedores só de um time é uma demonstração disso. Há o perigo inerente de reduzir o diálogo entre torcidas de times, já que cada vez mais os fãs só vão querer alguém falando sob sua perspectiva de mundo.
O funcionamento das novas plataformas foi bem irregular no início dos Estaduais. A assinatura de ppv de "O Tempo" não funcionou e foi preciso abrir o canal no Youtube para o jogo cruzeirense. A HBO Max tem tido problemas para rodar os jogos, falo por experiência própria. A live do Flow, no Carioca, travou - o próprio Carioca tem questões de qualidade de imagem apontadas pelo público. TVs de clubes também apresentam falhas aqui e ali.
Mas a transmissão do Premiere para o jogo do Palmeiras também teve problemas e boa parte do público perdeu um gol - então, não é uma questão só de streamers. Não se muda de plataforma em dois, três anos, sem as dores do parto. É até esperado que isso ocorra.
O público, no entanto, está pagando e não tem por que ser compreensível. Ainda não está claro se a conta aumentou. Por que, se de um lado cresceu o número de plataformas pagas, o preço do ppv caiu também. A Globo cobrava R$ 80,00, e agora baixou seus valores adaptando-se a pacotes mais baratos do Cariocão e Conmebol.
Feitas todas as considerações, a revolução à brasileira nas transmissões é uma série de soluções inovadoras e sem conexão entre si para compensar o caos que é a organização do futebol brasileiro. Provavelmente essas mudanças ocorreriam de forma bem menos aceleradas e mais seguras se a CBF organizasse o calendário do nosso futebol, reduzisse os Estaduais e desse a importância devida ao Brasileiro. As agências e plataformas diversas claramente estão mais avançadas do que a confederação na sua visão do futebol.
No final das contas, será o mercado, isto é, o público quem determinará quais Estaduais e inovações merecem sobreviver.