Futebol

Jornalista analisa recuperação judicial do Vasco: 'Jornada delicada, mas...'

Apresentado o pedido de recuperação judicial na noite de segunda-feira, o Vasco inicia formalmente a reestruturação de suas dívidas. Hoje estimadas pelo clube em R$ 1,4 bilhão, elas serão levadas a uma renegociação coletiva, mediada pela Justiça, com todos os seus credores.

A recuperação judicial é um mecanismo formulado pelo poder público para salvar empresas da falência. O futebol passou a fazer uso dele recentemente. Cruzeiro e Coritiba passaram por esses processos, ambos com desfecho positivo em suas negociações, com a consultoria da mesma empresa que hoje assessora o Vasco, a Alvarez & Marsal.

A diferença para esses outros times é que, enquanto eles fizeram o procedimento apenas na associação civil sem fins lucrativos, o Vasco precisará submeter também a sua SAF à recuperação judicial, já que a maior parte das dívidas da associação foi transferida para a empresa criada na venda do futebol para a 777 Partners, em setembro de 2022.

Quais são os próximos passos?

Até aqui, o Vasco precisou se organizar política e administrativamente para a recuperação judicial. O clube aprovou o plano em seu Conselho Deliberativo, no fim de dezembro, e já vinha trabalhando nele desde setembro, após a contratação de escritórios de advocacia e consultorias.

Agora, com a formalização do pedido de recuperação, a próxima etapa é a homologação do pedido por parte da Justiça. Isso fará com que execuções e penhoras sejam suspensas, a fim de que o devedor ganhe tempo para formular uma proposta de pagamento para os credores.

Essa proposta deverá ser feita ao longo dos próximos meses. Em linhas gerais, ela deverá contar com um desconto e um prazo para a quitação da dívida restante. É comum que recuperações judiciais de clubes de futebol fiquem em torno de 80% de deságio e dez anos para o pagamento, mas esses números dependem da negociação e da categoria do credor.

A proposta precisará ser aceita pela maioria dos credores para que o processo seja concluído com sucesso. Nesta hipótese, com o "sim", a dívida vascaína será drasticamente reduzida, e o restante deverá ser pago de acordo com os termos da negociação dentro do prazo estabelecido.

Caso não haja acordo entre clube e credores, com um "não" definitivo à proposta de pagamento, o desfecho é a abertura de falência da SAF — leia-se: o encerramento de suas atividades e o leilão de todos os seus bens para pagamento do que for possível das dívidas. Esta hipótese, no entanto, nunca aconteceu em nenhum clube de futebol no Brasil.

Por que desistir do RCE?

A recuperação judicial virá em substituição a outra ferramenta, usada inicialmente pelo Vasco para equacionar seu endividamento. Na época da criação da Lei da SAF, o Congresso incorporou nela o Regime Centralizado de Execuções (RCE) — uma espécie de "recuperação judicial branda".

Inscrita no RCE, a SAF precisa repassar 20% de suas receitas mensais para o pagamento das dívidas. Isso gera a primeira dificuldade na administração do orçamento, pois, a cada R$ 100 milhões faturados, apenas R$ 80 milhões ficam disponíveis para uso no cotidiano.

A segunda, e maior, dificuldade foi o crescimento da taxa de juros no Brasil. Em 2021, quando o RCE foi inventado, a taxa básica de juros estava próxima de 6% ao ano. Hoje essa taxa passa de 13%, o que faz com que todas as dívidas sejam aumentadas pelos juros em ritmo acelerado.

Por não conseguir reduzir o endividamento, mesmo com os pagamentos, o Vasco desistiu do RCE e buscou a recuperação judicial. A mesma troca já havia sido feita pelo Cruzeiro, ainda sob a propriedade de Ronaldo, e pelo Botafogo de John Textor, que optou pela recuperação extrajudicial.

Com quem o Vasco renegociará?

Participam da renegociação todos os credores do clube, exceto o governo, cuja dívida é tratada por outras renegociações. Portanto: ex-jogadores, ex-técnicos, ex-funcionários, fornecedores, escritórios de advocacia, consultorias, prestadores de serviço em geral, outros clubes.

Esses credores se dividem em classes. Para cada uma delas, as condições de pagamento podem variar. Dívidas trabalhistas (com pessoas físicas) costumam ter descontos menores e depósitos maiores no curto prazo, enquanto dívidas cíveis (com empresas) são mais agressivas.

@rodrigocapelo

Fonte: ge