Por unanimidade, a 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), sob relatoria da desembargadora Flávia Romano de Rezende, negou em julgamento na última terça-feira recurso de Roberto Monteiro, ex-presidente do Conselho Deliberativo do Vasco, contra a realização da Assembleia Geral Extraordinária (AGE) do Cruz-Maltino, em agosto de 2020, que aprovara as eleições diretas em reforma do estatuto do clube. Ainda cabe recurso ao caso, o qual o Esporte News Mundo teve acesso a detalhes. Em seu voto, a magistrada fez duras críticas ao processo.
"Presentes os requisitos de conhecimento e admissibilidade recursais.
O Clube Vasco da Gama é regido por estatuto próprio, norma que subordina e disciplina as ações dos poderes sociais encampados pela Assembléia Geral, o Conselho Deliberativo, o Conselho de Beneméritos, o Conselho Fiscal e a Diretoria Administrativa.
A disposição do art. 53 do Estatuto do Vasco da Gama é expressa quanto a responsabilização de todos os membros dos poderes sociais, solidariamente, perante o Clube ou terceiros por omissão, excesso de mandato ou ato de transgressão, no exercício dos cargos para os quais foram eleitos, inclusive despesas realizadas além dos limites autorizados.
Dúvida também não há quanto a competência exclusiva da Assembleia Geral para decidir, na forma do previsto no art. 74 daquele diploma, sobre a reforma ou alteração do Estatuto, por proposta do Conselho Deliberativo, o que, de fato, ocorreu.
Além da referida proposta, o Conselho Deliberativo possui atribuição para dirimir os desentendimentos entre os poderes do Clube.
Veja-se que a presenta ação foi proposta também contra o Presidente do Clube, do Conselho Fiscal e do Conselho de Beneméritos.
No entanto, apenas o Presidente do Conselho Deliberativo agravou da decisão que determinou a manutenção da data da AGE, o que se mostra incongruente diante da inércia dos demais poderes. Ainda que se afaste esta questão, dispõe o artigo 99 que uma das atribuições do Presidente é a de representar o Clube juridicamente.
Desta forma, poderia se questionar até mesmo a legitimidade do agravante para o recurso.
Especificamente quanto ao custeio da empresa contratada para a realização da AGE tem-se que o Estatuto prevê um controle dos gastos, mas elenca a possibilidade de cobrança por serviços eventuais, onde poderia, a critério do Clube, haver a inscrição do valor gasto.
Compete ao Poder Judiciário uma interferência mínima nas decisões da Associação.
No entanto, é necessário que haja a possibilidade de decisões, tomadas com transparência e com a maior participação possível, não só dos poderes do Clube, mas daqueles que, efetivamente, fazem da referida Associação um dos grandes nomes do esporte mais importante do país em público e repercussão.
Qualquer pleito pode ser objeto de impugnação por parte dos interessados e, neste ponto, não se afasta a votação relacionada à mudança pontual do Estatuto, para viabilizar eleições diretas, almejadas, ao que parece, pelo menos por parte dos membros do Clube.
Do mesmo modo, a forma como e se os valores despendidos para a contratação da empresa de software serão custeados pelo Clube é questão ainda não decida pelo Juízo de 1º grau que apenas autorizou a realização da AGE.
Qualquer manifestação deste Colegiado acerca do custeio será supressão de instância.
É nítido que o agravante não foca seus objetivos na anulação da AGE, mas em uma forma de impedir a realização de eleições diretas em um dos clubes mais tradicionais do Rio de Janeiro.
A mudança do Estatuto já havia sido discutida dentro do Clube, através de seu Conselho Deliberativo, faltando a aprovação por AGE, para que a mesma efetivamente pudesse acontecer.
Sustenta o agravante que a aprovação de reforma do Estatuto era ampla, o que impediria a realização de uma reforma pontual, apenas para permitir que as eleições diretas viessem a acontecer.
No entanto, tal afirmação é desprovida de suporte normativo, pois não há qualquer estipulação vedando a reforma pontual do Estatuto quando a matéria da reforma já foi devidamente discutida junto ao Conselho Deliberativo.
Logo, resta evidente que esta não é questão, ou seja, o problema não tem a ver com a amplitude da reforma, uma vez que se trata de algo para melhor.
Esta Relatora se arriscaria a dizer que, embora não entenda de futebol como outras pessoas, é fácil imaginar que qualquer sócio desejaria participar das eleições do clube que escolheu para torcer e através do qual se alegra e sofre, muitas vezes, por puro amor e consideração.
Não se trata de questão "sentimentalóide", mas da essência da própria escolha de ser ou não sócio de um clube.
Se o Clube já havia deliberado que a mudança do Estatuto traria benefícios, por que não a sua implementação imediata, viabilizando as eleições?
Ademais, resta claro que o Conselho Deliberativo, como posto pelo Juízo de 1º grau, não possui atribuição para anular convocação de AGE, nos termos do artigo 81 do atual Estatuto.
Logo, não pode alegar desobediência ao Estatuto aquele que também o desobedece, convocando assembleia para deliberar sobre anulação de AGE.
Como o objeto deste agravo se limitava ao impedimento da AGE, tem-se que o mesmo deve ser desprovido, eis que a mesma foi realizada, tendo a liminar esgotado o próprio mérito recursal.
Diante do exposto, nega-se provimento ao recurso"