Um livro didático utilizado nas turmas do 3º ano do ensino fundamental na rede pública municipal do Rio de Janeiro causou revolta na torcida vascaína nas redes sociais. Na segunda-feira, começou a circular a imagem da publicação que apresenta o Flamengo como pioneiro na luta contra o racismo no futebol nos anos 1930. No entanto, a participação dos negros na modalidade no país consta das primeiras décadas do século XX, em clubes como Bangu, Vasco e Ponte Preta. A luta pela democracia racial, inclusive, faz parte da história do cruz-maltino.
A informação consta no livro O ‘Encontros História 3′, do autor Cândido Grangeiro, da editora FTD Educação, de 2017, que passou por avaliação do MEC e foi selecionado no PNLD 2019, sendo utilizado em 2019, 2020, 2021 e 2022 — a obra, no entanto, não foi inscrita no PNLD 2023. Na página 12, a publicação traz o tema o "Negro no Futebol". O texto aborda como a modalidade chegou ao Brasil apenas para a elite, mas se popularizou ao longo das décadas. Destaca ainda que os negros eram proibidos de jogar nos times dos brancos e participar dos campeonatos oficiais.
Na sequência, o texto diz que "a história só começou a mudar nos anos 1930, quando o Flamengo, clube da elite do Rio de Janeiro, resolveu formar um time de futebol imbatível e contratou craques como Leônidas da Silva e Domingos da Guia, que eram negros". O livro acrescenta que "foi uma grande novidade e um sucesso absoluto".
No entanto, a história do futebol é outra. Há uma disputa entre Vasco, Bangu e Ponte Preta pelo pioneirismo na democracia racial no esporte. O Bangu afirma que, em 1905, foi o primeiro clube a aceitar um jogador negro, o apoiador Francisco Carregal. Há documentos, no entanto, que apresentam Miguel do Carmo, um dos fundadores da Ponte Preta, como primeiro jogador negro a atuar em 1904.
Nos anos 1920, o cruz-maltino chocou a sociedade carioca ao vencer o título de 1923 com um time formado por muitos jogadores negros e mulatos. Independentemente de quem foi o primeiro, o Vasco contribuiu de forma decisiva para inclusão desses atletas que não pertenciam à elite.
Tanto quanto os troféus conquistados, o clube exibe com orgulho a réplica do manifesto chamado "Resposta Histórica", na sede de São Januário. Em 7 de abril de 1924, o então presidente José Augusto Prestes assinou a carta em que o Vasco se recusou a disputar o Estadual sem os jogadores negros, conforme exigência que imposta pelos dirigentes da época.
Há ainda outro detalhe: Domingos da Guia, que consta no livro como um dos primeiros jogadores negros num time de futebol, iniciou a carreira no Bangu e teve passagens pelo Vasco antes de ser contratado pelo Flamengo.
A editora FDA Educação afirmou que vai rever o conteúdo do livro após as inúmeras manifestações recebidas. Alegou ainda que para a produção do mesmo usou as melhores fontes de pesquisa de que tinham à disposição no momento da produção da obra.
Em nota dirigida a leitores, professores e torcedores dos clubes, a editora FDA Educação afirma que "ao longo dos seus 120 anos de história, e seus autores têm contribuído para a educação de nosso país com materiais de qualidade, sempre primando pela correção, pela atualização, pela renovação. No campo da Historiografia não poderia ser diferente. Novas informações chegam a todo instante, fruto de estudos, pesquisas, descobertas.
Muito nos orgulhamos por termos abordado a importante contribuição do negro para o futebol e a sociedade brasileira. E quando o fizemos nos valemos das melhores fontes de pesquisa de que dispúnhamos no momento de produção da obra Encontros - História.
Entendemos, pelas notificações que recebemos, que devemos rever o conteúdo apresentado. E o faremos com a mesma disposição com que o inauguramos. Agradecemos o interesse e as mensagens dos que nos enviaram questionamentos. São disposições como estas que nos ajudam a melhorar ainda mais nossos materiais".
Já a Secretaria Municipal de Educação confirmou que "o livro faz parte do catálogo do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), do FNDE/MEC, adotado por professores e escolas para trabalharem com suas turmas de 3º ano, juntamente com demais recursos didáticos". De acordo com o órgão, outros livros são adotados na rede pública a fim de mostrar "a multiplicidade do pensamento educacional, cultural e esportivo". Por fim, a SME acrescentou que "também possui material próprio para a sua rede de escolas, produzido por seus professores: os Cadernos RioEduca, que apoiam as habilidades do currículo escolar carioca".