Nos últimos meses, enquanto a Aracruz negociava um acordo com bancos estrangeiros para liquidar a dívida resultante de prejuízos com operações de derivativos de câmbio, o ex-diretor financeiro da empresa Isac Zagury mergulhou em outra reestruturação financeira. A operação, desenhada nos bastidores, envolve alguns dos principais empresários e executivos cariocas e pretende renegociar e liquidar débitos do Club de Regatas Vasco da Gama. Hoje, grande parte do orçamento do clube é consumida com o serviço da dívida.
O plano de reestruturação será desenvolvido pela Associação de Amigos do Vasco da Gama, entidade sem fins lucrativos em fase de registro cuja gestão será feita de forma independente do clube. Até sexta-feira, a associação receberá adesões de sócios fundadores, entre os quais estarão nomes como Olavo Monteiro de Carvalho, presidente da Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ); Francisco Gros, ex-presidente da Petrobras; e Arthur Sendas Filho, entre muitos outros. O governador do Rio, Sérgio Cabral, vascaíno apaixonado, foi convidado para ser o presidente de honra da associação, que será presidida por Zagury.
O estatuto que cria a associação foi apresentado, ontem, no escritório do advogado Luiz Leonardo Cantidiano, ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Cantidiano será diretor-administrativo da associação, que terá Monteiro de Carvalho como diretor de divulgação e Mauro Moreira como diretor financeiro. \"Acredito que o apoio dos vascaínos possa nos surpreender\", disse Carvalho. Todos os cargos executivos da entidade não serão remunerados.
A meta é partir com cem sócios-fundadores, que contribuirão com R$ 2 mil cada um, no mínimo. O principal objetivo da entidade será arrecadar recursos para comprar, com deságio, créditos qualificados e legítimos, vencidos ou a vencer, contra o Vasco. Com o dinheiro, serão renegociadas e liquidadas dívidas do clube. Na operação, a associação pretende \"remir\" (perdoar) o Vasco das dívidas. Luiz Américo de Paula Chaves, vice-presidente jurídico do Vasco, estima que a dívida geral do clube alcance R$ 300 milhões. O número deverá ganhar maior precisão a partir de um trabalho de auditoria encomendado pelo clube à KPMG.
Zagury fez o cálculo da arrecadação potencial. Ele prevê que se no mínimo 2% dos torcedores do Vasco, estimados em 12 milhões no país, contribuírem com um valor médio de R$ 1 mil cada um, será possível arrecadar R$ 240 milhões. A contribuição mínima será de R$ 100 e a máxima não tem limite. Se houver sobra de recursos, o dinheiro será destinado para construir um centro de treinamento para as divisões de base do departamento de futebol do Vasco.
\"O Vasco tem de voltar ao seu lugar de direito: ser o melhor e maior clube do Brasil\", diz Zagury. Em novembro de 2008, ele foi acusado pelos principais acionistas da Aracruz de ter lesado o patrimônio da companhia em operação com derivativos cambiais. Por conta disso, tornou-se alvo de processo na Justiça comum do Rio, onde mora. Este mês a Aracruz chegou a um acordo com os bancos para pagar dívida de US$ 2,6 bilhões, grande parte dela relacionada às operações com derivativos cambiais.
Zagury quer olhar para frente. Nos próximos meses, irá percorrer diferentes Estados para apresentar o projeto da Associação de Amigos do Vasco a torcedores do clube. Já existe um cronograma de trabalho. Até o fim de março, ele pretende receber da diretoria do clube uma relação dos créditos cíveis, trabalhistas e tributários existentes contra o Vasco. A partir dessas informações, irá iniciar as negociações com os credores. \"Hoje, o clube tem muitas dívidas em relação ao seu patrimônio líquido\", diz.
Segundo ele, o orçamento do clube é consumido pelo pagamento de dívidas e juros, os quais, em alguns casos, chegam a 2% ou 3% ao mês. Logo que o estatuto da associação seja registrado em cartório, será aberta conta em banco privado e criada uma página na internet, na qual serão divulgadas informações como recursos disponíveis, contribuições médias dos participantes e renegociações de dívidas em curso. Segundo Zagury, a iniciativa da associação é inédita entre os clubes brasileiros.
Luiz Leonardo Cantidiano, cujo tio-avô, Ciro Aranha, presidiu o Vasco no fim da década de 40, quando o clube serviu de base para a seleção brasileira, comparou a situação do clube a de uma empresa em dificuldades. Segundo ele, logo que a atual diretoria do clube, presidida pelo ídolo vascaíno Roberto Dinamite, assumiu, no ano passado, alguns diretores reuniram-se com ele para discutir a realidade do Vasco.
\"A situação é parecida com a de uma empresa em falência, processo no qual busca-se compor com os credores. Pode se fazer a renegociação da dívida a longo prazo ou a compra dos créditos com deságio\", disse.
Cantidiano afirmou que chegou-se a pensar na criação de um fundo de investimentos para ajudar o clube, mas a melhor saída foi a criação da Associação de Amigos, idealizada por Zagury e por Cláudio Almeida Neves, ex-superintendente da área jurídica do BNDES.