Por: Hélio Ricardo
Foi uma tarde em que a poesia venceu a obviedade!
Futebol sobrevive - e ganha sobrevida - com atos heróicos, gestos simbólicos, lances emblemáticos como esse, de hoje,no golaço de Bernardo. Para não analisar o jogo - tarefa que dedicaria aos fisiologistas da análise tática - prefiro, por opção, registrar a imagem imorredoura do atleta correndo ensandecido, socando a cruz-de-malta no peito para melhor ajustá-la ao coração, gritando alucinado para uma torcida que o tem por xodó.
Hoje, o garoto Bernardo, discípulo confesso a adestrado pelo Rei Juninho, fez jus à majestade do dono da corte e cobrou, com exímia perfeição, a falta que definiu o placar, que determinou a vitória, que garantiu um domingo feliz a pais e filhos vascaínos.
O que nos alegra em ver o menino Bernardo correndo, desconcertado, após marcar um gol como esse, é lembrar que ainda existem - contra os cartesianos que só apostam na métrica quântica do futebol enjaulado em rascunhos táticos - meninos de chão de barro socado que sentem alegria em correr e gritar, estufar o peito com a camisa no corpo, comemorar, alegres ou envaidecidos, a singeleza do que há de mais artístico no futebol.
O jogo caminhava para uma partida de difícil prognóstico, porque o Palmeiras tinha mais domínio de bola no primeiro tempo e era muito, muito forte na marcação. Afunilado pelo meio, com um Juninho perigosíssimo nas bolas paradas mas um pouco fora de tempo nos passes, a defesa do Vasco tirava bem os ataques adversários e não havia uma ameaça real a ambos os lados do campo. Não dava para palpitar sobre um favorito no jogo. Curiosamente o segundo tempo começou a esquentar após algumas disputas ríspidas com Fagner e o zagueiro Luan. Os ânimos se exaltaram e todo mundo começou a \"mostrar serviço\".
Dois lances foram fundamentais, a meu ver, para atear fogo à partida: a jogada extraordinária do selecionável Rômulo, que quase redundou em um gol de placa, e um chute de Bernardo que, após uma bola na trave, passou a acreditar que podia decidir o jogo.
E acabou decidindo.
O Vasco já dominava as ações ofensivas e acuava o Palmeiras em campo quando, numa cobrança de falta com a placidez e a concentração de um monge budista, Bernardo encontrou caprichosamente o fundo das redes adversárias.
A partir daí, rompeu pelos gramados com o mesmo torpor com que incendiou toda a platéia do belo estádio da Colina Histórica.
É um Vasco que não se entrega, um time que renova esperanças da torcida, que tem classe para decidir uma partida difícil em jogadas de efeito vindas de pés cheios de categoria.
E de paixão.
Ao correr para a torcida como um menino ensandecido a comemorar seu feito, ao escolher a torcida como prêmio, como alento e como brinde para sua atuação decisiva, Bernardo simplesmente fez aquilo que deve fazer aquele que vê arte no futebol.
Se amanhã ou depois de amanhã, na quarta-feira ou na semana que vem, no mês que vem ou na primeira partida da Libertadores em 2012 Bernardo não for tão brilhante quanto foi hoje, isso jamais o isentará dos méritos e dos louros que ele teve hoje.
A posteridade é a posteridade!
Hoje, mais relevante do que fazer um belo gol foi ver o menino Bernardo correndo para os afagos da torcida. Porque o xodó de São Januário sabe que, como Juninho, morar no peito da torcida vascaína pode ser uma dádiva para toda vida.
A grande saída para o determinismo do futebol cartesiano ainda reside no lirismo e na paixão.
Foi lindo ver o Vasco ganhando com o autor do gol batendo no peito, ato que duplica o feito de Juninho no gol monumental que o eternizou.
Não é comparação. Cada cabeça, uma sentença! É que Bernardo, hoje, mostrou que tem coração vascaíno.
Bernardo: cruz de malta no peito e coração de leão!