Nos bastidores dos clubes de futebol, existem personagens que fazem parte da engrenagem do time mas que o trabalho não fica tão visível para a torcida. No Vasco, a psicóloga Maíra Ruas faz um papel silencioso com o objetivo de cuidar da parte emocional dos jogadores e auxiliar o técnico Zé Ricardo. Quando a equipe enfrenta pressão, dificuldades e momentos decisivos, sua participação é mais destacada.
O trabalho de Maíra na reta final do Carioca ganhou elogios do meia Wagner, que o classificou como "excelente" e "crucial" para o desempenho do time. Nesta quinta, o Vasco enfrenta o Racing, em São Januário, em um jogo decisivo para o futuro da equipe na Libertadores.
A missão da psicóloga é ajudar os jogadores a entrarem em campo tranquilos para que tomem boas decisões.
- Quanto mais o time chega a partidas decisivas, mais o psicológico é exigido, e mais atenção se dá a esses aspectos. A cada jogo, cada etapa, temos um plano de ação para dar uma resposta positiva - afirmou a psicóloga.
Confira a entrevista com Maíra Ruas:
GloboEsporte.com: Como é sua rotina de trabalho nos dias de treinos e jogos?
Maíra Ruas: São algumas fases. A primeira é de observação, nos treinos... O psicólogo do esporte atua na preparação mental do atleta. Ele precisa estar bem emocional e cognitivamente para jogar. São complementares. Observamos como os atletas agem nas atividades, como está a comunicação e a relação deles. A partir disso já vemos, junto com treinador, quais são as tendências da equipe. Nos jogos, temos dados para trabalhar para o próximo ciclo. É um trabalho constante.
Como funciona a parceria com os técnicos, e em específico com o Zé Ricardo?
É muito importante, porque o trabalho da psicologia serve ao treinador. Assim como o preparador físico tem o objetivo de fazer o time render fisicamente, o psicólogo tem que servir ao time para que renda mentalmente. Então, ele me pede algumas coisas, dar atenção a algum atleta. Eu também dou meu ponto de vista, e assim alinhamos uma ação. Então, a parceria é fundamental.
Nos dias que antecedem um jogo decisivo o tipo de trabalho muda?
Já existe um protocolo estabelecido. O da pré-temporada, o de início de campeonato e o de fim de campeonato. Quanto mais o time chega a partidas decisivas, mais o psicológico é exigido, e mais atenção se dá a esses aspectos. A cada jogo, cada etapa, temos um plano de ação para dar uma resposta positiva.
Ainda existe alguma resistência ao trabalho do psicólogo no esporte?
Um pouco. A palavra psicólogo vem da medicina. Antigamente era para quem tinha problema mental, mas atualmente é visível essa mudança na mentalidade dos atletas. A partir do momento em que percebem que podem render melhor, que eles podem melhorar, passam a aderir ao trabalho.
Uma mulher em um ambiente bastante masculino também cria resistência?
A resistência hoje em dia é muito pequena, diria 10%. A mentalidade tem mudado, isso é notório.
O Wagner comentou que durante as finais do Carioca seu trabalho foi fundamental naquele momento. Como foi?
Tem momentos em que é preciso trabalhar o elenco para gerar consciência coletiva, uma mesma conexão. É diferente do trabalho motivacional, que é dar um estímulo para o grupo. A consciência coletiva é construída a partir deles, aumentando comprometimento e união em busca dos objetivos.
Como é feito na prática?
Eu não uso dinâmica de grupo. Muitos usam, e ela é viável. Eu gosto mais de conversas sobre alguns temas, e os próprios atletas debatem. Sou uma facilitadora desse processo.
Os jogadores mais jovens precisam de uma atenção especial? O Paulinho, por exemplo, parece um veterano aos 17 anos.
Fazemos um trabalho de transição com o atleta que está indo dos juniores para o profissional, para que exista uma adaptação a uma nova realidade. São fases que temos que fazer. Alguns demoram menos, outros mais. São vários fatores que contam. Cada trabalho é particular, depende da maturidade de cada atleta. O Paulinho é acima da média, então é preciso fazer algo personalizado para ele. Às vezes tem um jogador bem mais velho que não tem a mesma maturidade. É melhor personalizar do que padronizar.
Os problemas em casa influenciam muito o desempenho dos atletas?
Com certeza. Mas o atleta é condicionado a fazer um desligamento das coisas pessoais quando entra em campo, como se fosse para um combate. Ele aprende a se desligar emocionalmente, mas, por vezes, pela condição humana, isso não acontece. Aí trabalhamos para que ele consiga essa blindagem emocional e consiga executar melhor.
Recentemente alguns jogadores, como o Thiago Ribeiro e o Nilmar, revelaram que sofreram com depressão. Esse problema é mais comum do que imaginanos no futebol?
Caso específico de depressão eu não trabalhei. Até estive com o Jobson no Botafogo, mas de depressão não. Mas não é um problema incomum. Jogador de futebol ganha muito dinheiro, é ídolo... e muitas vezes esquecemos da condição humana. São jovens que têm que lidar com muita pressão, porque moralmente é aceito que sejam julgados, criticados... Eles têm família. É natural, ainda mais aos que têm predisposição, que caiam em depressão. É importante ter uma estrutura em cima disso.
É preciso fazer um trabalho para ter um diagnóstico preciso e depois, com a ajuda do médico, realizar o tratamento. Também é muito comum a partir de lesões. A expectativa muda, é preciso focar na melhora e ela não acontece. Então, entra em quadro depressivo. Chamamos de Depressão Social, que é causada por questões externas.