Há precisamente 92 anos, no dia 7 de abril de 1924, o Club de Regatas Vasco da Gama produziu um dos documentos mais importantes da história do esporte mundial, que ficou conhecido como “A RESPOSTA HISTÓRICA”.
O documento, redigido em poucos parágrafos, comunicava ao sr. Arnaldo Guinle, presidente da AMEA (Associação Metropolitana de Esportes Atléticos), liga recém-fundada pelos cinco clubes mais influentes do Rio de Janeiro na época (América, Bangu, Botafogo, Flamengo e Fluminense), que o Vasco, campeão carioca de 1923, preferia não fazer parte da nova entidade a ter que se submeter à exigência de eliminar de seus quadros 12 atletas, a maioria deles negros, mulatos, nordestinos ou pobres, considerados pela AMEA jogadores “de profissão duvidosa”.
Desta forma, o Vasco manteve-se na LMDT (Liga Metropolitana de Desportos Terrestres), liga pela qual disputara e vencera o Campeonato Carioca do ano anterior (enfrentando os cinco “grandes”), e disputou em 1924 um campeonato esvaziado, contra equipes de menor expressão, sagrando-se campeão com 16 vitórias em 16 jogos.
Em 1925, o Vasco foi admitido na AMEA de forma incondicional e voltou a enfrentar, com seus atletas negros, mulatos, nordestinos e pobres, os times “grandes”.
Nos dias de hoje, uma reprodução da “Resposta Histórica” pode ser vista na Sala de Troféus do Vasco.
A “Resposta Histórica” publicada pela imprensa da época
A “Resposta Histórica” ganhou repercussão na imprensa carioca, sendo publicada em vários jornais. A versão reproduzida abaixo consta da página 8 da edição de 16/04/1924 do jornal “O Paiz”, um dos mais importantes Brasil à época, cujas edições podem ser consultadas no site da Biblioteca Nacional (clique aqui para acessar).
A “Resposta Histórica” na Sala de Troféus do Vasco
Uma versão da “Resposta Histórica” encontra-se reproduzida num quadro localizado na Sala de Troféus da sede de São Januário. Antes da transcrição do documento, há uma introdução, lembrando que, sem o Vasco, o futebol brasileiro não teria conhecido Pelé; depois do texto, há uma explicação de que a motivação velada por trás da exigência da eliminação de 12 jogadores era que eles “eram de cor”, ou seja, negros ou mulatos. O conteúdo do ofício teve sua ortografia atualizada e apresenta algumas diferenças em relação à versão publicada pelos jornais da época.
“Sem o Vasco, o futebol brasileiro não teria
conhecido o Pelé”
A Resposta Histórica
Como homenagem àqueles que deram esta lição de grandeza do Vasco da Gama, para que os mais novos sintam o que representou o aparecimento do Vasco da Gama no esporte brasileiro, reproduzimos na integra o seguinte documento histórico:
“Rio de Janeiro, 7 de Abril de 1924.
Ofício nr. 261
Exmo. Sr. Dr. Arnaldo Guinle
M.D. Presidente da Associação Metropolitana de Esportes Atléticos
As resoluções divulgadas hoje pela imprensa, tomadas em reunião de ontem pelos altos poderes da Associação a que V.Exa tão dignamente preside, colocam o Club de Regatas Vasco da Gama numa tal situação de inferioridade, que absolutamente não pode ser justificada nem pela deficiência do nosso campo, nem pela simplicidade da nossa sede, nem pela condição modesta de grande número dos nossos associados.
Os privilégios concedidos aos cinco clubes fundadores da AMEA e a forma por que será exercido o direito de discussão e voto, e feitas as futuras classificações, obrigam-nos a lavrar o nosso protesto contra as citadas resoluções.
Quanto à condição de eliminarmos doze (12) dos nossos jogadores das nossas equipes, resolve por unanimidade a diretoria do Club de Regatas Vasco da Gama não a dever aceitar, por não se conformar com o processo por que foi feita a investigação das posições sociais desses nossos consócios, investigações levadas a um tribunal onde não tiveram nem representação nem defesa.
Estamos certos que V.Exa. será o primeiro a reconhecer que seria um ato pouco digno da nossa parte sacrificar ao desejo de filiar-se à AMEA alguns dos que lutaram para que tivéssemos entre outras vitórias a do campeonato de futebol da cidade do Rio de Janeiro de 1923.
São esses doze jogadores jovens, quase todos brasileiros, no começo de sua carreira e o ato público que os pode macular nunca será praticado com a solidariedade dos que dirigem a casa que os acolheu, nem sob o pavilhão que eles, com tanta galhardia, cobriram de glórias.
Nestes termos, sentimos ter que comunicar a V.Exa. que desistimos de fazer parte da AMEA.
Queira V.Exa. aceitar os protestos de consideração e estima de quem tem a honra de se subscrever, de V.Exa. At. Vnr. Obrigado
(a) Dr. José Augusto Prestes – Presidente
Obs. – Os grandes clubes do Rio de Janeiro exigiram que o
Vasco da Gama eliminasse 12 jogadores – Motivo velado – “Eram de côr”.
A carta acima foi a resposta do Vasco.
Uma outra versão da “Resposta Histórica”
No dia 07/04/2013, o site oficial do Vasco publicou um verdadeiro “presente” para os pesquisadores: uma foto de um documento antigo, desgastado pelo tempo, com a mesma identificação (ofício nº 261) e data (7 de abril de 1924) daquele que ficou posteriormente conhecido como a “Resposta Histórica”. Entretanto, pequenas diferenças no texto em relação à versão publicada na imprensa e alguns erros de datilografia e de ortografia fazem supor que se trata de uma versão inicial do documento, possivelmente um esboço (afinal, o ofício original foi, naturalmente, enviado à AMEA).
Transcrição (caracteres ilegíveis substituídos por ***):
Rio de Janeiro, 7 de Abril de 1924. Officio No 261 Exmo. Snr. Dr. Arnaldo Guinle, M. D. Presidente da Associação Metropolitana de Esportes Athleticos. As resoluções divulgadas hoje pela Imprensa, tomadas em reunião de hontem pelos altos poderes da Associação a que V. Exa. tão dignamente preside, collocam o Club de Regatas Vasco da Gama numa tal situação de inferioridade, que absoluta- mente não pode ser justificada, nem pelas defficiencias do nosso campo, nem pela simplicidade da nossa séde, nem pela condição modesta de grande numero dos nossos associados. Os previlegios concedidos aos cinco clubs fun- dadores da A.M.E.A., e a forma porque será exercido o direito de discussao e voto, e feitas as futuras classificações, obrigam-nos a lavrar o nosso protesto contra as citadas resoluções. Quando á condição de eliminarmos doze dos nossos jogadores das nossas equipes, resolveu por unanimidade a Directo- ria do C. R. Vasco da Gama não a dever acceitar, por não se con- formar com o processo porque foi feita a investigação das posi- ções sociaes desses nossos consocios, investigação levada a um tribunal onde não tiveram nem repesentação nem defesa. Estamos certos que V. Exa. será o primeiro a re- conhecer que seria um acto pouco digno da nossa parte, sacrificar ao desejo de fazer parte da A.M.E.A., alguns dos que luctaram pa- ra que tivessemos entre outras victorias, a do Campeonato de Foot-Ball da cidade do Rio de Janeiro de 1923. São esses doze jogadores, jovens, quasi toso bra- sileiros, no começo de sua carreira, e o acto publuco que os pode macular, nunca será praticado com a solidariedade dos que dirigem a casa que os acolheu, nem sob o pavilhão que elles com tanta ga- lhardia cobriram de glorias. Nestes termos, sentimos ter que communicar a V. (***) que desistimos de fazer parte da A.M.E.A. Queira V. Exa. acceitar os protestos da maior (***) deração e estima de q(****)m a honra de subscrever (***) De V. Exa. (***)