Um ano após a morte do garoto Wendel no CT do Vasco em Itaguaí, a responsabilidade de clubes no tratamento a suas divisões de base ainda leva a interpretações diferentes no judiciário brasileiro. Em janeiro, o processo foi arquivado pela Promotoria da Infância e da Juventude de Itaguaí, que não identificou responsabilidade criminal nem do Vasco nem do médico Jerônimo Moura, que liberou o menino, sem observar que ele tinha problema cardíaco, para testes como jogador de futebol.
Em Minas, o advogado da família do garoto busca mais provas para entrar com ação civil na Justiça contra o Vasco. O centro de treinamento, alugado ao empresário Pedrinho Vicençote, foi reformado e reinaugurado em setembro de 2012 em melhores condições e equipe médica 24h.
No inquérito da Polícia Civil, o delegado-assistente André Bueno sugeriu indiciamento apenas do médico Jerônimo Moura, que deu atestado para Wendel em São João Nepomuceno (MG). Apesar da sugestão, o promotor de Itaguaí, Jorge Funken, decidiu arquivar o caso por considerar fatalidade a morte do menino de 14 anos.
Na análise de peritos médicos da Polícia, mesmo com todos exames realizados a morte poderia acontecer. O fato de não haver um desfibrilador no CT é tão grave quanto não ter um desfibrilador num fórum, num shopping. Não tem como comprovar um crime culposo ou doloso, nem do Vasco nem do médico disse o promotor.
Na esfera da Justiça civil, porém, o caso ainda rende. A promotora da Infância e da Juventude do Rio Clisanger Ferreira colhe provas para a ação civil pública que ano passado obrigou o Vasco a fechar o alojamento em São Januário e transferir todos garotos para Itaguaí.
Em Minas, a família tenta retomar a vida. O irmão mais velho, que ficou preso por quase três anos, está em liberdade. Pai e mãe, que ainda recebe acompanhamento psicológico, voltaram a trabalhar e reclamam de descaso do Vasco, que só pagou o caixão. Um grupo de conselheiros prometeu uma casa para a família e ficou nisso.
Segundo o advogado da família, Michel Alves, a ação contra o clube já está quase pronta. A família não quis estipular valores de indenização. Ficaria a cargo do juiz.
Nessa quinta-feira, o Ministério Público do Trabalho (MPT), em ação de abrangência nacional, iniciou notificação em mais de 150 clubes do país. O trabalho começou pelo Mato Grosso do Sul, Pará e Paraná. O procurador do Trabalho Rafael Dias Marques, coordenador nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Coordinfância), citou o caso Wendel para atestar a importância da ação.
- É preciso evitar o que ocorreu ano passado, quando um garoto de 14 anos morreu durante treinamento no Vasco - disse o procurador.
Os clubes notificados vão ter 90 dias para se adequarem às normas do Estatuto da Criança e do Adolescente, que proíbe qualquer trabalho antes dos 14 anos, além de recomendações básicas, como dos clubes não efetuarem cobranças para peneiras, de obrigação de atestados médicos, entre outros. No entanto, o procurador disse que não pode exigir exames mais elaborados em crianças e adolescentes.
- Isso (a exigência de exames) vai depender de avaliação do médico. Hoje poucos clubes exigem atestados médicos. Isso não pode acontecer - disse Rafael Marques. Em caso de não adequação, após prazo de 90 dias, os clubes devem responder a ações públicas ou assinarem termos de ajustamento de conduta.