A venda da futura Sociedade Anônima de Futebol (SAF) para a empresa 777 Partners, encaminhanda nesta segunda-feira pelo Vasco, não será a primeira experiência do clube com amplos recursos estrangeiros. Ao torcedor vascaíno que acompanhou a equipe nos anos 1990, o acerto com os norte-americanos remete ao acordo com o Nations Bank/Bank of America, parceria que durou pouco, mas marcou alguns dos principais títulos do clube — e também ajudou a dívida a chegar no patamar alarmante dos dias de hoje.
O acordo entre os cariocas e a instituição dos Estados Unidos vinha em um momento de alta da economia e do futebol brasileiro. Selado em abril de 1998, poucos meses antes do clube conquistar o título da Copa Libertadores, a parceria não se tratava de um patrocínio comum, em troca de exposição. O Nations Bank, que pouco depois se tornaria Bank of America, passou a gerir a marca Vasco, utilizá-la para licenciamento e até negociar os acordos do cruz-maltino.
A parceria prometia engordar os cofres no clube anualmente, com valores que poderia chegar até os 150 milhões de reais anuais. Conforme os aportes eram feitos, o Vasco investia em contratações pesadas, como os atacantes Donizete e Luisão, autores dos gols nos dois jogos da final da Libertadores, contra o Barcelona de Guayaquil. Viola, Edmundo e Romário foram outras negociações frutos da parceria.
Além do título continental, o Vasco ainda seria campeão brasileiro, da Copa Mercosul e do Campeonato Carioca durante a vigência da parceria. Mas tudo acabaria três anos depois, numa intensa desavença entre a diretoria e a instituição financeira.
Diferença de autonomia
A grande diferença do modelo da época para o da SAF era a autonomia. Este também foi o ponto de ruptura entre Vasco e Nations Bank. O cruz-maltino tinha o poder de decisão sobre os recursos que entravam. Tanto que, por meio do vice de futebol Eurico Miranda — que viria a ser presidente nos anos seguintes — apostou em um projeto olímpico, contratando uma larga listas de estrelas de esporte como vôlei, basquete e natação próximo aos Jogos de Sydney-2000, o que desagradaria o banco — e se reverteria em processos milionários contra o clube, alguns correndo até hoje na Justiça.
O excesso de gastos foi motivo de questionamentos da diretoria do banco. A instituição fazia aportes no Vasco por meio da empresa Vasco da Gama Licenciamentos (VGL), criada exclusivamente para a parceria. Logo, a VGL passaria a exigir que o cruz-maltino trabalhasse com uma quantia pré-determinada e parou de repassar dinheiro com a liberdade de outrora.
O episódio minou a relação, que deveria durar até 2008, mas acabou em fevereiro de 2001, no mês seguinte à conquista da Copa João Havelange, último título brasileiro do Vasco. Clube e banco trocaram versões na imprensa e na Justiça, os americanos chegaram a ameaçar pedir a penhora de São Januário, mas a situação se acalmou.
Sem a VGL e o Nations Bank, o clube herdou uma dívida na casa dos 100 milhões de reais, que ajudou a crescer o passivo trabalhista, hoje uma das principais dores de cabeça na dívida bruta do clube — que deve ser atacada pela "777 Partnerts" por meio do Regime Centralizado de Execuções.
Cada história acontece de uma forma, e já encaminhada venda da SAF segue moldes muito diferentes do vitorioso e traumático episódio do Nations Bank, em especial pelo controle majoritário da empresa sobre o futebol vascaíno, proposta do modelo atual. Desta vez, a palavra final deve partir diretamente do investidor. Para efeitos de comparação, fica o exemplo de quão caóticas decisões tomadas com pouca cautela e planejamento podem ser tornar no futebol brasileiro. Há mais de 20 anos.