Uma saída para jantar, um encontro inesperado e um convite para treinar a seleção brasileira sub-20.
Há pouco mais de um ano, foi assim que teve início a passagem de Ramon Menezes pela CBF que o levará ao banco de reservas para comandar a equipe principal, sábado, às 19h (de Brasília), em Tânger, diante do Marrocos. Ponto alto na curta carreira de um treinador que trocou a boleiragem pela sala de aula para que o estudo fosse mais relevante do que qualquer carteirada pela carreira de sucesso como jogador.
Era fevereiro de 2022 quando Ramon foi a um hotel na Barra de Tijuca para jantar com familiares. O local servia de moradia para o então presidente interino da CBF, Ednaldo Rodrigues, e o encontro casual se transformou em reunião de trabalho. Torcedor do Vitória, clube onde o ex-meia é ídolo, o dirigente aproveitou que o nome já estava entre os prospectados pela coordenação de seleções de base, fez o convite e brincou:
- Você está no lugar certo, na hora certa.
O "sim" imediato deu início a uma trajetória oficializada no dia 7 de março do ano passado e que já rendeu frutos. Ao Brasil, o título sul-americano da categoria após 12 anos, além do retorno ao Mundial. Para Ramon, uma oportunidade até pouco tempo impensável de dirigir seu país no primeiro amistoso do ciclo visando a Copa do Mundo de 2026.
Reconhecimento precoce para um treinador com oito anos de estrada e que pode se dizer cria da própria CBF. Depois da aposentadoria, na Cabofriense, em 2013, Ramon Menezes assumiu a função de auxiliar-técnico no Joinville, mas a primeira oportunidade como treinador, na ASEEV, de Goiás, surgiu em paralelo aos cursos de capacitação da CBF Academy.
Ramon é formado em todos os módulos de capacitação da entidade máxima do futebol brasileiro. Em 2015, tirou a licença B, no ano seguinte fez os dois módulos da licença A, e completou o ciclo acadêmico com as duas fases da licença PRO em 2018 e 2019.
- Ramon é um profissional dedicado, que estuda muito o jogo. Ele absorveu rapidamente as nossas necessidades para a categoria sub-20. Precisávamos voltar a disputar a Copa do Mundo. Ele recebeu um grupo de jogadores muito bom, comprometidos com a Seleção - disse o tetracampeão Branco, coordenador das seleções de base.
O ex-lateral foi um dos responsáveis por levar a Ednaldo Rodrigues nomes com o perfil desejado para substituir André Jardine, que deixou a CBF após o ouro olímpico em Tóquio-2021. Fábio Matias, ex-Flamengo e Internacional, era outro entre os pré-selecionados, mas o jantar "no dia certo e na hora certa" encurtou o caminho para escolha de Ramon.
- O histórico do Ramon na Seleção Brasileira começou ainda quando ele era jogador. Foi campeão Sul-Americano e vice-campeão do mundo na categoria sub-20. Ele sabe muito bem como é a pressão de representar o futebol brasileiro. Essa é uma qualidade dele. Pois não é fácil. Ele ficou muito à vontade com essa responsabilidade. Ramon soube utilizar muito bem todas as nossas ferramentas, os bancos de dados e nossa equipe de observadores. Deu sequência ao trabalho do nosso departamento para o desenvolvimento das gerações de atletas desde a categoria sub-15. Colheu frutos no Sul-Americano deste ano - elogiou Branco.
O histórico de quem foi jogador profissional por 20 anos, com passagens por 14 clubes, títulos do Brasileirão e da Libertadores, além de defender a seleção principal em Copa das Confederações, nunca foi algo que Ramon levou consigo para abrir portas como treinador. A boa imagem dos tempos em que defendeu o Joinville em 2011 e 2012, no entanto, foi importante para que a transição fosse quase imediata e com um amigo que virou professor: Hemerson Maria.
Há dez anos, o treinador catarinense encontrou o meio-campista recém-aposentado como auxiliar e iniciou uma parceria que resultou no título da Série B de 2014 para os catarinenses. Período que o próprio Ramon trata como enriquecedor para conhecer os caminhos da profissão. A união durou até 2015, quando surgiu a primeira oportunidade no interior de Goiás.
"Falar do Ramon é um prazer. É um ser humano fantástico! Um cara muito ético, trabalhador, inteligente, humilde, e com ótima leitura de jogo"
- Tivemos uma convivência muito grande em Joinville, já que não levamos família para a cidade, e criamos um laço de amizade muito forte. Tem uma simplicidade e uma concentração que são marcantes. Dividíamos as funções, e ele sempre ficava com o setor ofensivo, passando ensinamentos técnicos importantes.
Ramon chegou a comandar o próprio JEC anos depois, em 2016, e tem oito clubes em sua carreira como treinador: Assev (GO), Anápolis (GO), Tombense (MG), Guarani (MG), Joinville, Vasco, Vitória e CRB.
A passagem de maior destaque, indiscutivelmente, foi por São Januário, onde também brilhou como jogador em três passagens. De auxiliar técnico em 2019, Ramon viu uma rápida passagem como interino se tornar em efetivação em 2020. O "Ramonismo", como ficou conhecido na época, chegou a empolgar a torcida vascaína com a primeira colocação no início do Brasileirão, mas virou frustração com a demissão após 14 jogos e oito vitórias.
A conexão com o Vasco, por sua vez, é inevitável e o acompanha até na oportunidade de comandar a Seleção no Marrocos. Felipe Maestro, ex-companheiro e lateral-esquerdo, foi um dos escolhidos para ser auxiliar de Ramon na experiência como interino. Velho conhecido da dupla, Pedrinho, comentarista do Grupo Globo, elogia a trajetória do amigo:
- Ramon sempre foi um cara muito disciplinado. Treinava demais, batia falta demais. Sempre ficávamos após os treinamentos cobrando faltas. Ele e o Juninho eram especialistas.
"Acho que ele fez o caminho certo e não usou o nome dele para nada. Entendeu que aquela profissão acabou e que precisava adquirir outro conteúdo para exercer uma nova função. Se preparou muito, estudou muito e tirou as licenças"
O comportamento discreto nos tempos de jogador não se tornou problema para desempenhar o papel de comandante. Mesmo de poucas palavras, Pedrinho lembra que Ramon no vestiário já era uma liderança:
- Me surpreende um pouco, porque ele era muito calado, mas agora é muito líder. Na verdade, sempre foi líder, mas de uma forma muito pela postura. Falava nos momentos certos, mas a postura também é uma forma de exercer uma liderança.
Uma década após se aposentar e praticamente um ano depois de ser anunciado como funcionário da CBF no comando da sub-20, Ramon Menezes viverá um momento especial sábado diante do Marrocos. Recompensa para um treinador estudioso, e que contou com um empurrãozinho do destino "no lugar certo e na hora certa".